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Covid-19 e o impacto no trabalho infantil no Acre 

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Numa recente análise, técnicos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe  – CEPAL e da Organização Internacional do Trabalho – OIT, preveem, em função da redução da renda e dos altos níveis de insegurança econômica nas famílias, um grande impacto da COVID-19 no aumento do número de crianças e adolescentes em trabalho infantil na América Latina e no Caribe. As previsões são que os impactos da pandemia podem obrigar mais de 300.000 crianças e adolescentes a trabalhar e consideram imperativo adotar medidas para enfrentar esta situação.


Caracteriza-se como trabalho infantil aquele realizado por crianças com idade inferior à mínima permitida para a entrada no mercado de trabalho, segundo a legislação em vigor no país. Conforme o IBGE, no Brasil, a Constituição brasileira de 1988 admite o trabalho, em geral, a partir dos 16 anos, exceto nos casos de trabalho noturno, perigoso ou insalubre, nos quais a idade mínima se dá aos 18 anos. A Constituição admite, também, o trabalho a partir dos 14 anos, mas somente na condição de aprendiz. 


No Brasil, a PNAD Contínua de 2016 do IBGE, (último dado disponível sobre trabalho infantil), investigou informações sobre as atividades econômicas, escolares e domésticas realizadas por crianças de 5 a 17 anos de idade no País. De um total de 40,1 milhões de crianças de 5 a 17 anos, 1,8 milhão estava ocupada na semana de referência da pesquisa, ou seja, o nível de ocupação dessa população foi de 4,6%, majoritariamente concentrado no grupo de 14 a 17 anos de idade. Dentre as crianças de 5 a 9 anos de idade, 0,2% (aproximadamente 30 mil crianças) encontravam-se ocupadas, enquanto no grupo de 10 a 13 anos essa proporção era de 1,3% (aproximadamente 160 mil crianças). De 14 ou 15 anos de idade, 6,4% das crianças estavam ocupadas, e o de 16 ou 17anos, 17,0%.


Para o Acre, a pesquisa apurou que, de um total de 227 mil crianças do grupo de 5 a 17 anos, 10,6%, 24 mil estavam ocupadas na semana de referência da pesquisa. Sendo o estado aquele que apresentou a maior taxa de ocupação de trabalho infantil de crianças e adolescentes do país. Dentre as crianças de 5 a 9 anos de idade, 3,8% (3 mil crianças) encontravam-se ocupadas, enquanto no grupo de 10 a 13 anos, a proporção era de 8,1% (6 mil crianças). De 14 ou 15 anos de idade, 18,4% das crianças estavam ocupadas (7 mil), e de 16 ou 17 eram 21,6% (8 mil).


Os técnicos dos organismos internacionais apontam que a desaceleração da produção, o desemprego, a baixa cobertura da proteção social, a falta de acesso à seguridade social e os níveis mais altos de pobreza são condições que favorecem o aumento do trabalho infantil. Nesse contexto, numa análise desenvolvida pela equipe técnica da CEPAL e da OIT, permite se estimar que o trabalho infantil possa aumentar em 1 e 3 pontos percentuais na região.


Se aplicarmos os percentuais previstos pela CEPAL e pela OIT para os números do Acre de 2016, isso implicaria que, pelo menos, entre 2.200 e 6.700 crianças e adolescentes poderiam entrar no mercado de trabalho, somando aos 24 mil que já estavam em situação de trabalho infantil, pelos dados de 2016.


Já nos reportamos, em artigos anteriores o alto número de trabalhadores informais no Acre (a soma dos trabalhadores sem carteira assinada, mais os trabalhadores domésticos sem carteira assinada, mais os empregadores sem CNPJ, mais os trabalhadores por conta própria sem CNPJ e mais o trabalhador familiar auxiliar). Conforme o IBGE, no último trimestre de 2019, tínhamos cerca de 148 mil trabalhadores nessa condição, correspondendo a uma taxa de 48,7% da população ocupada. Pois bem, a previsão é que a condição da informalidade é um dos principais fatores de insegurança e instabilidade econômica nas famílias, onde a proteção social é mínima e os contratos de trabalho são inexistentes, portanto, o trabalho infantil torna-se um componente importante de como as famílias lidam com a insegurança econômica. 


Além disso, é importante lembrar que o fechamento temporário das escolas é outro fator com potencial para aumentar o trabalho infantil. Com as escolas fechadas para prevenir a transmissão do vírus e com a pobreza se acentuando, o trabalho pode parecer, equivocadamente, uma forma de meninas e meninos ajudarem suas famílias. Sem esquecer também que o trabalho infantil na pandemia pode impedir o retorno de crianças à escola.


Às empresas também cabe um importante papel nesse processo.  Doze de junho foi marcado como dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, nesse dia, o Fundo das Nações Unidas para a Infância –  UNICEF, fez um apelo às empresas públicas e privadas para que reforcem seu compromisso com a implementação da Lei da Aprendizagem. No Brasil, a Lei da Aprendizagem (10.097/2000) determina que toda empresa de médio ou grande porte tenha de 5% a 15% de aprendizes, entre 14 e 24 anos, considerando as funções que exijam formação profissional. Dessa forma, a lei permite que meninas e meninos que cursam a escola regular no Ensino Médio tenham oportunidades de formação técnico-profissional, pois, uma das formas de impedir o trabalho infantil é oferecer opções de aprendizagem e trabalho protegido, dentro da lei, aos adolescentes.


A Chefe de Proteção à Criança do UNICEF no Brasil, Rosana Vega, observa ser essencial entender os impactos da pandemia na vida de crianças e adolescentes mais vulneráveis e levantar dados atualizados sobre trabalho infantil no Brasil para que possamos compreender a real dimensão do problema e pensar em soluções de forma integrada. E destaca que neste momento de crise, é ainda mais necessário promover esforços para garantir que a população infantil vulnerável retorne à escola após a pandemia. No caso dos adolescentes, para que isso seja possível, é essencial que eles consigam unir aprendizagem e trabalho protegido, via lei do Aprendiz.


Portanto, mais do que nunca, crianças e adolescentes devem estar no centro das prioridades de ação do Estado, que deve atuar com os seus agentes capacitados, num amplo programa de prevenção do aumento do trabalho infantil. Outro mecanismo fundamental é fazer chegar o auxílio emergencial para as famílias em situação de pobreza.



Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas.