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Um histórico do saneamento nas agendas dos governos – Parte II

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A proposta de hoje é avançar na análise de como os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário do município de Rio Branco chegaram ao estágio atual, continuando a descrição histórica, iniciada no artigo do dia 30/4/2020. Como já comentamos, a prestação dos serviços de saneamento da capital passou por quatro mudanças institucionais desde a sua implantação em 1957, em um contexto já descrito na parte I do dia 30/4. Reforço que esta série de artigos é importante para o entendimento deste importante indicador da nossa realidade social, expressa na extrema pobreza que atinge um grupo mais vulnerável da população acreana e com menor capacidade de superar as condições de orientação para a prevenção da Covid-19. A deficiência na oferta de saneamento básico, conforme o IBGE, atinge a mais de 650 mil pessoas no Acre. A proposta de hoje é abordar duas mudanças institucionais: a de 1969 e a de 1971.


Em 1969, já na condição de capital do Estado do Acre, Rio Branco vai passar pela sua primeira mudança no serviço de abastecimento de água, sob o impacto das mudanças ocorridas no país durante a década de 1960, principalmente, com a implantação da ditadura militar e a sua política para a Amazônia. A nova instituição, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Acre – SAAE, uma autarquia estadual que substituiu a antiga estrutura de administração direta estadual que tinha ação em Rio Branco e em todo o Estado do Acre. 


O cenário dessa mudança era o de uma capital de um estado da federação brasileira que contava com uma baixa oferta de serviços de saneamento, agravada pela total falta de investimento no sistema. Portanto, vigorava na capital o modelo de administração direta, a cargo do estado. Por outro lado, a estratégia nacional apresentava como uma alternativa, ou solução para o desenvolvimento do setor, a instalação de uma estrutura de gestão autônoma, nos moldes de uma autarquia ou sociedade de economia mista. O modelo seguia as orientações da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública – FSESP que se caracteriza pela municipalização dos Serviços de Água e Esgotos – SAE, construídos com financiamento conjunto da própria fundação e dos governos dos estados e dos municípios e eram entregues para operação e manutenção de Serviço Autônomo de Água e Esgoto – SAAE pertencente aos municípios. A proposta era implantar uma natureza empresarial das ações de saneamento com a exigência de autonomia, flexibilidade e sustentabilidade financeira da prestadora dos serviços. Destaca-se o caráter diferenciado de atuação da FSESP no Acre, administrando uma autarquia estadual ao invés de sua prática rotineira de atuar em municípios, através de autarquias municipais. 


Nesse sentido, a mudança institucional na prestação dos serviços em 1969 insere-se em um contexto de um projeto de modernização e pela doutrina de segurança nacional do governo militar, que possibilitou a criação de programas para a integração da Amazônia, inserido na política nacional de saneamento do período, que contou com a intervenção direta do governo central na política econômica e suas preocupações com os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário como suporte necessário ao processo de industrialização e à consequente intensa urbanização. Foram inúmeros os legados do SAAE em Rio Branco, além de ser uma estrutura enxuta, dentro dos padrões da FSESP, houve a instalação de novos pontos de captação de água, construção de dois novos reservatórios e adutoras, a substituição das tubulações de aço galvanizado existentes para as de PVC e a ampliação do sistema de distribuição para outros pontos da cidade.


Em 1971 a mudança aconteceu sob a égide do Plano Nacional de Saneamento – PLANASA, que exigia, para financiar os investimentos, a formação de uma estrutura com personalidade jurídica de uma sociedade anônima (S/A). Foi criada a Companha de Saneamento do Estado do Acre S/A – SANACRE. A nova instituição passou a gerir os serviços em Rio Branco e em todo o estado. 


A criação da SANACRE fazia parte da estratégia do governo da ditadura de tornar o Brasil uma potência capitalista, favorecendo a industrialização e a concentração de populações e serviços nas cidades. Para as regiões mais atrasadas, como a Amazônia, a estratégia era a integração nacional em nome da segurança do país. O embrião do PLANASA surgiu no período 1969 – 1973, quando o governo federal instituiu o Plano de Metas e Bases para a Ação de Governo, que definiu prioridades para o setor de saneamento. A participação dos estados brasileiros no PLANASA dependia da existência de uma empresa estadual de saneamento que encampasse as concessões municipais, cujo modelo de gestão deveria ser centrado na auto sustentação tarifária e no subsídio cruzado. 


Portanto, o governo local, para a continuidade da prestação dos serviços de saneamento reconheceu a necessidade de uma mudança institucional para atender os ditames da política nacional ditada pelo PLANASA, onde as regras principais eram que, para se beneficiar dos financiamentos, os estados brasileiros deveriam constituir as suas empresas estaduais de saneamento e os municípios delegariam aos estados a atribuição das ações de saneamento. O governador nomeado pelo governo central adotou fielmente a cartilha do PLANASA, instituindo a SANACRE. É importante lembrar que embora o SAAE estadual estivesse funcionando adequadamente, com o seu modelo inédito, descentralizado (municipalista), defendido pela FSESP, pode, contraditoriamente, ter facilitado a transição para a SANACRE (Companhia Estadual) por já contar com a adesão de todos os municípios em sua estrutura.


Assim, em outubro de 1971, a Lei Estadual nº 454, autorizou a constituição da Companhia de Saneamento do Estado do Acre S/A – SANACRE, cuja finalidade era realizar estudos, projetos, operações e exploração dos serviços públicos de abastecimento de água potável e de esgotos sanitários, bem como qualquer outra atividade afim. O parágrafo 1º do art. 10 da referida Lei autorizava o aproveitamento do pessoal técnico que prestava serviços no SAAE, bem como no seu art. 2, alínea a, dizia que todo o acervo patrimonial da antiga autarquia passava a ser utilizado como fatia para compor a subscrição do capital social da companhia.


No próximo artigo sobre o tema, vamos enfocar a terceira mudança, a de 1997, vinte e seis anos depois da criação da SANACRE. Uma mudança marcada pela desestruturação da política nacional de saneamento, com o esgotamento do modelo do PLANASA, combinada com o avanço do incentivo da atuação da iniciativa privada no setor. Marcada também a nível estadual, pelo debate que surgiu nas eleições municipais de 1996, na disputa eleitoral para a Prefeitura Municipal de Rio Branco, quando os problemas do abastecimento de água da capital do Acre entraram fortemente em debate. 


Finalizo lembrando que a base para a nossa exposição é um exaustivo estudo que fiz para elaboração da minha tese de doutorado, defendida em 2016 junto à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, sob a orientação da Professora Doutora Sonaly Rezende. A tese completa pode ser acessada através do seguinte endereço: http://www.smarh.eng.ufmg.br/defesas/1114D.PDF.




 


 


Orlando Sabino escreve todas às quintas-feiras no ac24horas.