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O parque abandonado

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Sou vizinho do Parque da Maternidade. Moro próximo o suficiente para ir a pé e distante o necessário para não usufruir dos seus odores. Lembro de quando era ainda um matagal que abrigava cobras, mucuras e ratazanas bem nutridas.


Ainda nos anos 70 o Estado desapropriou 40 metros para cada lado do Igarapé para construir uma avenida de fundo de vale, retificando o curso d’água, solução que estava na moda naquela época e que, já nos anos 80, foi a causadora de inundações em diversos centros urbanos pelo país afora.

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Por algum tempo um órgão federal que operava obras de saneamento, o DNOS, realizou dragagens para a retificação e limpeza do trecho entre as nascentes e a foz, no rio Acre. Onde hoje é o Terminal de ônibus, existe uma parte enterrada do canal de concreto armado, construída ainda naquele tempo.


Quanto Edmundo Pinto assumiu o governo, em 1991, o projeto da avenida ao longo do Igarapé voltou à pauta. Existia uma expectativa grande da população do entorno, que mantinha a área desapropriada livre de novas invasões, imaginando a valorização de seus imóveis ao deixarem de ter fundos para um matagal e se voltarem para uma via moderna.


Entretanto o projeto já não era mais consenso na comunidade técnica e foi alvo de várias críticas. Em contraponto, surgiram algumas soluções alternativas, como a do CREA-AC, da autoria dos arquitetos Francisco Thaumaturgo Filho e Wolvenar de Camargo, que propunha a transformação do local num parque linear, sem a avenida, deixando o curso d’água livre.


Mas Edmundo insistiu no projeto da avenida e a obra teve percalços desde a licitação, direcionada para a construtora Odebrecht, e culminou em uma CPI do Senado, outra da Assembleia Legislativa, o assassinato do próprio Edmundo, o incêndio do prédio da Assembléia, para destruir as provas então existentes, um inquérito policial e um longo processo judicial.


Atuei na assessoria do então deputado João Correia, na CPI das Obras, e como perito ad-hoc no inquérito da Polícia Federal, presidido pelo delegado Reni Graebner. Para completar o currículo, fiz meu mestrado, entre 1995 e 1997, produzido um mapa de aptidões e fragilidades do solo ao longo do Maternidade, para a construção de vias, edificações e redes sanitárias.


Logo no início do governo de Jorge Viana, foi concluído o processo que corria judicialmente, a Caixa Econômica Federal foi condenada a financiar a obra e o Estado teve 180 dias (com diversas prorrogações) para realizar um novo projeto e iniciar a construção.


Foi contratada então uma empresa de São Paulo, a Ambiente Urbano, da urbanista Eliane Guedes, que propôs a implantação de um parque, com uma via de serviço onde não seria permitido o trânsito de veículos. “A Via Parque é estruturadora do Parque e não da cidade” dizia no volume conceitual do projeto. Também as áreas baixas, mais próximas do rio Acre, receberiam as inundações no período de chuva, reduzindo as preocupações de enchentes no entorno do Terminal, Mercado, Capoeira e Cerâmica.


Durante a construção, alguns aditivos foram responsáveis por erguer o terreno das partes mais baixas e pavimentar, iluminar e sinalizar o arruamento na porção central do Parque e dar-lhe o aspecto de um boulevard.


Para a construção foi necessária a aprovação de um estudo de impacto ambiental, realizado às pressas e “para inglês ver”. Na audiência pública, as procuradoras de Urbanismo e de Meio Ambiente foram massacradas porque cobravam uma solução para os esgotos. Na época eu dizia que o estudo parecia que foi realizado para uma intervenção na Serra do Divisor, não tratando de quaisquer impactos da obra com o ambiente urbano e a vizinhança (ainda não existia o Estatuto da Cidade que instituiu o estudo de impacto de vizinhança). A Eng. Maria Alice de Paula trata isso em detalhes em sua dissertação de mestrado* pela Universidade de Brasília.


Também eu questionava a falta de um estudo sobre o custo de manutenção de um parque com as dimensões e os serviços que previa. Se um dia tivesse que ser gerido com recursos do município, temia que a administração se tornasse inviável. Logo eu, entre os que mais usufruiu da obra até hoje, ganhei alí a fama de ser contra o Parque.

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Foram-se os tempos de bonança quando uma série de outros parques surgiram em Rio Branco. Hoje, alguns deles, mais periféricos, sofrem com o abandono total e o velhinho Maternidade continua a receber esgotos, está com calçamento danificado, pontes de madeira apodrecidas, iluminação precária e espaços esportivos deteriorados. São poucos os horários quando se pode usufruir dele com segurança.


No clássico do urbanismo “Morte e Vida das Grandes Cidades” (Ed. Martins Fontes), a autora Jane Jacobs já mostrava, no final dos anos 50, início dos 60, porque essas intervenções costumam dar errado no longo prazo. Vale a pena a leitura para os que pretendem administrar cidades seguras.


O desafio agora é reduzir o custo e incorporar esses parques à cidade, permitir que ofereçam outros serviços que garantam movimento de pessoas e utilização o dia todo e, se puder, à noite também. Talvez, um dia, quem sabe, tenham um custo menor para a cidade e uma rede de esgotos eficiente.



Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.


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