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Leis ameaçam extinguir pontos tradicionais da orla do rio Acre

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A Pensão da Rai, tradicional bar e restaurante, espremida entre o asfalto da rua Epaminondas Jácome e o barranco do rio Acre, na Cadeia Velha, perdeu recurso em segunda instância e está prestes a ser demolida por determinação do Tribunal de Justiça do Acre.


O Bar do Márcio, famoso pela sua costela de tambaqui, também na Cadeia Velha, derrubou por iniciativa do dono o velho deck sobre as águas, e recuou a 20 metros do barranco, em terra firme, mas continua na mira da fiscalização.

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Também estão impedidos de renovar o alvará de funcionamento os bares do Vieira e a Casa da Sinuca, pontos de jogos, música eletrônica e bailes no entorno do Mercado Elias Mansour, juntamente com seus vizinhos, comerciantes de estivas e galinhas caipiras.


No outro lado do centro da cidade, mas na mesma margem esquerda do rio Acre, o tradicional Bar Jiquitaia, ou Bar do Zé do Branco, também luta contra a demolição, embora não haja nenhuma determinação oficial neste sentido.


A notícia de que os estabelecimentos estão em risco de extinção corre que nem vento desde novembro passado quando a Justiça determinou a demolição da Pensão da Rai. Os negócios similares entraram em estado de alerta, gerando o entendimento de que a Prefeitura de Rio Branco está desencadeando uma operação higienista visando acabar com o típico comércio ribeirinho, caracterizado pela improvisação da engenharia e da arquitetura.


Mas, não existe nenhuma ação planejada com este objetivo, garantem a diretora de Fiscalização de Obras, Débora Braide e o gerente do Departamento de Licenciamento, Charlei Jorge, ambos da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana.



Os fatos

Débora informa que todos os estabelecimentos às margens do Rio Acre estão em Área de Preservação Permanente (APP) que pertence à União. A Prefeitura tem jurisdição apenas para licenciar obras e fornecer o alvará para casas comerciais já edificadas. Mas, para tanto, depende de fiscalização de outros órgãos, como a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Civil.


“A Prefeitura apenas finaliza os procedimentos, dá a última palavra, mas depende da vistoria dos Bombeiros, da Defesa Civil e da Segurança Pública. Não podemos liberar uma obra ou o funcionamento de um comércio sem o aval dos outros órgãos, mas acaba que tudo vem pra cima de nós, como se fôssemos perseguidores”, argumenta Charlei.


O gerente informa que a maior parte destas casas corre risco de desabamento, além de problemas nas instalações elétricas e sanitárias. No caso específico dos bares do Vieira e da Loira (Casa da Sinuca), além dos problemas de estrutura, eles foram desclassificados pela Secretaria de Polícia Civil.


“A Polícia Civil passou dois meses fazendo uma apuração naquele entorno e elaborou um relatório minucioso demonstrando que em um ano foram registradas ali cerca de 1.000 ocorrências policiais envolvendo tráfico, brigas e até homicídio”, conta Charlei.


O outro lado

“Malandragem tem em tudo o que é lugar, eu não posso escolher freguês, o bar é público e nesta região de mercado vem todo tipo de gente”, rebate Vieira, dono do Bar do Vieira, ao lado de um jukebox, onde cada música sai por uma moeda R$ 0,25 e mantém a animação de várias mesas distribuídas sobre um deck suspenso a três metros do solo e protegido por uma tela de arame.


Vieira abaixa o volume da música, pede para uma moça suspender a dança e fala de sua preocupação com o negócio que garante o sustento da família há quase 30 anos. De acordo com ele, seu vizinho ao lado, da Casa da Sinuca, contratou três advogados. “Eu não contratei ninguém, mas tenho um amigo que é advogado e também é muito bom de voto”, informa.


Quem também está na mira da Prefeitura é o Santo, que há mais de 30 anos comercializa galinha caipira, galos e patos na Casa das Galinhas, ao lado dos bares. “Eu caduquei aqui”, brinca ele, batizado Francisco Soares de Oliveira, 66 anos. Santo conta que paga R$ 360,00 de IPTU e mais R$ 100,00 de taxa para a Capitania dos Portos.


Ainda mais antigo que o Santo, Cristino Bandeira, de 80 anos, veio de Pernambuco para Rio Branco em 1982, carregou banana no Mercado Elias Mansour por dois anos e em 1984 organizou seu comércio na beira do rio onde continua até hoje vendendo ração para galinha, vassoura de cipó, baldes, churrasqueiras e até canoas. Eu pago IPTU e até o imposto da Marinha, mas nunca me fizeram qualquer benfeitoria e agora querem me tirar daqui. É sempre o grande querendo roubar o pequeno”, reclama.



Dona Raimunda Botelho de Andrade, da Pensão da Rai, atende há 20 anos em sua cantina estreita e comprida. Abre quando o dia amanhece e fecha quando escurece. Muito gentil, serve bebidas e refeições, chamando a todos de “meu querido”, mas não admite foto de seu estabelecimento.

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No fim do ano passado levou o maior susto quando os fiscais chegaram com a ordem de demolição. Contratou uma advogada e conseguiu suspender a sentença, que foi julgada em segunda instância e mantida.


“O caso da Rai é o mais emergencial”, conta Charlei Jorge. Segundo ele, falta apenas chegar a um acordo sobre o quanto dona Rai vai receber de indenização. Ela pede R$ 100 mil e a Prefeitura se dispõe a pagar apenas R$ 20 mil pela construção de madeira.


As jiquitaias

O bar Jiquitaia tem mais de 40 anos no bairro da Base. Não é de hoje que o proprietário José Antônio Veras, o Zé do Branco, luta contra sua demolição. Ele herdou o negócio do pai, Antônio Pereira Veras e hoje é reconhecidamente uma lenda na rua Barbosa Lima, mais conhecida como Rua do Flutuante.


Em 2016, numa das tentativas de removê-lo do barranco, a Prefeitura determinou a realização de uma avaliação pela Secretaria de Habitação (Sehab). O trabalho do engenheiro Thiego Lima de Souza resultou numa descrição valiosa sobre a tecnologia empregada na construção.



O bar tem 194,31 metros quadrados sendo sustentado por barrotes de madeira com seis metros de comprimento, dos quais quatro metros estão enterrados na areia do rio. Construído em alvenaria e madeira, o imóvel foi avaliado em R$ 87 mil segundo valores do IBGE para obras com vida útil de 60 anos.


“São 40 barrotes de itaúba”, conta Zé do Branco, para convencer o freguês sobre a segurança do terraço de madeira com ampla vista para o Calçadão da Gameleira. O bar foi construído na sombra de uma árvore de mutambeira, utilizada como ninho da minúscula formiga jiquitaia, cujo mijo expelido sobre a clientela provoca uma insuportável irritação na pele.


A mutambeira foi derrubada para a construção do grande terraço, com jeito de convés de embarcação, como a que Zé do Branco navegava como marinheiro regional formado pela Diretoria de Portos e Costas do Ministério da Marinha de Boca do Acre (AM).


As ameaças de fechamento do Jiquitaia ou Bar do Zé do Branco causam mobilização no bairro da Base. O gerente de Licenciamento, Charlei Jorge e a diretora de Fiscalização de Obras, Débora Braide, garantem que não há nenhuma ação tramitando para a demolição da construção. Mas, informam que uma vistoria da Defesa Civil, coordenada pelo coronel George Santos, considerou pouco confiáveis os 40 barrotes de itaúba que sustentam o convés do Jiquitaia. Mas, o marinheiro Zé do Branco contradiz o coronel e garante que ainda há de suportar muitas alagações.


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