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Crianças acreanas já admiram facções, alerta padre Massimo

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Uma professora da periferia relatou ao padre Mássimo Lombardi, da Paróquia da Cidade do Povo e da Pastoral Carcerária, que ouviu um de seus alunos comentar com um colega que seu pai pertence a uma facção criminosa. “Ele contou como se tivesse orgulho, assim como eu me orgulho de meu pai ter lutado na guerra”, disse o padre, em entrevista para o livro “Nós Marginais”, do agente penitenciário Janes Peteca, sobre a vida nas margens do rio Acre e a origem das facções.


Nascido na Itália, Mássimo Lombardi, 74 anos, também acaba de lançar o seu livro, um precioso diário sobre seus 45 anos de sacerdócio no Acre. Ele chegou a Rio Branco no dia 7 de dezembro de 1974 depois de ser recrutado pelo então bispo da Prelazia do Acre e Purus, Dom Moacyr Grechi.

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Algumas semanas depois, Mássimo foi convidado para um almoço entre padres onde deparou-se com uma bacia de macarrão e uma grande cumbuca cheia do que parecia ser queijo ralado do tipo parmesão.


Salivou, finalmente iria saborear o que para os italianos é como feijão com arroz. “Quando estranhei, todos acharam graça, pois era farinha de mandioca e acabei estragando por completo o meu prato de pastasciutta”, conta ele no seu livro virtual “História dos 50 Anos na Amazônia”.


Quais foram os eventos mais marcantes?


Eu divido em três fases. Primeiramente acompanhei o início dos conflitos violentos entre fazendeiros e seringueiros, sobretudo em Brasiléia com o assassinato de Wilson Pinheiro e de outros líderes camponeses. A partir de 1976 começamos a luta por moradias organizando as ocupações urbanas no Taquari, Belo Jardim, Conquista, Nova Estação, João Eduardo e outras para abrir quem vinha da floresta para a cidade sem alternativa de um lugar onde morar.


Quando começa a segunda fase?


Nos anos 1980/1900 surgem os esquadrões da morte: o do delegado Enoque Pessoa, da Polícia Civil e o do coronel Hildebrando Paschoal, da Polícia Militar. A diferença era que Enoque fazia uma faxina social, eliminando pessoas conhecidas no mundo do crime, como a chacina no Morro do Marrosa (13/12/1988 com quatro mortos). Este as classes sociais mais altas aplaudiam. Neste ataque, além de eliminar José Afonso Cândido da Silva, o Marrosa, que comandava o tráfico no morro, matou também seus familiares que ficaram com carne viva grudada nas paredes. O Hildebrando eliminava aqueles que interferiam nos seus negócios sujos, como cobrança de dívidas, contrabando de cigarros e o incipiente mercado de drogas.


Como a Igreja reagia?


Chegamos a fechar a Catedral e todas as igrejas. Um domingo fechamos as igrejas e no domingo seguinte houve uma manhã de oração e de jejum. No pior momento, depois de matar o Marrosa, eles invadiram o Pronto Socorro para matar um adversário conhecido por Piaba. Naquela época houve muitas execuções. Era comum aparecer jovens desovados em sacos de plásticos no Igarapé são Francisco e no Iquiri.


Quando começa a terceira fase?


É o momento atual, que também representa a ausência do Estado. Não tem Estado. As facções dominam os bairros. O que mais impressiona é que o Bonde dos 13 consegue dominar a Cidade do Povo. Nós temos uma estrutura lá onde você pode deixar a sua bicicleta e você entra numa celebração e ninguém leva.

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A cidade estaria mais segura protegida por facção?


Não, porque existe uma guerra por espaço. Se o Comando Vermelho decidir invadir a Cidade do Povo vai ter uma guerra sangrenta. Existe uma guerra pelo mercado de droga. Por que aquela guerra na Sapolândia? É pelo controle do mercado de drogas. Daí a necessidade de abrir um debate sobre a regulamentação das drogas.


O senhor defende a liberação das drogas?


Eu defendo um debate. É um tema polêmico, mas a sociedade precisa ter coragem para debater a regulamentação como alternativa para acabar com a guerra. Será que se as drogas fossem regulamentadas como o vinho, como o conhaque, não reduziria a violência? O Governo não sabe o que fazer.


Os evangélicos têm a maioria nas prisões?


Não é bem assim. O pavilhão dos evangélicos tem que mudar de nome, ser chamado de pavilhão cristão. Eu celebro lá todas as sextas-feiras e uso as caixas de som dos evangélicos. Lá não existe rivalidade. Dizem que as facções só permitem que seus membros as deixem se provarem que entraram para uma igreja evangélica. Não é verdade. Eu posso gravar um vídeo testemunhando que o rapaz se converteu ao catolicismo e ele também não será molestado.


As igrejas resgatam, de fato?


Isso é o que precisamos descobrir. Educadores e pastores devem fazer este levantamento porque às vezes ouço comentários de que os presídios estão formando pastores, mas também tenho conhecimento de que determinadas igrejas são apenas fachada onde depois da celebração são tramados os assaltos. As mesmas igrejas também servem como fachada para aproximar facções de políticos e eleger vereador, eleger deputado.


Enfim, qual é a proposta da Igreja?


Vendo as coisas agora, noto que na época do esquadrão, embora arriscado, pois Dom Moacyr recebia ameaças de morte, era bem mais fácil, porque você sabia quem eram os chefes. Tinham rostos. Você eliminava Enoque, eliminava Hildebrando e pronto. Mas, agora ninguém sabe quem é quem. A não ser as crianças que conhecem os rostos e até admiram, como relatou uma professora. Ter o pai ou um irmão na facção é motivo de orgulho. Assim como eu me orgulho de meu pai ter lutado na guerra, para estas crianças ter alguém na facção é ser importante.


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