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Sobre armas e borboletas

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Possuímos um bem conquistado, nobremente, com armas na mão.


Liberdade é o querido tesouro, que depois do lutar nos seduz.

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“Uma borboleta batendo asas no Amazonas pode desencadear um tornado no Texas”. Essa frase que traduz o Efeito Borboleta, ilustra um aspecto dos sistemas de previsão do tempo, por exemplo, que consideram uma quantidade grande de variáveis, cada uma com sua margem de erro, em que pequenos eventos podem ocasionar resultados muito diferentes em simulações longas.


Deixando Edward Lorentz, os Sistemas Dinâmicos e a Teoria do Caos de lado, uma constatação como essa, no Brasil, é suficiente para considerarmos proibir as borboletas de baterem suas asas. Aqui, proibimos por precaução.


Dias atrás, assistindo um debate da GloboNews, os especialistas discutiam uma característica do povo brasileiro: somos desconfiados de tudo. Estamos sempre na defensiva, como se a intenção do outro (pessoa ou grupo) fosse, antes de tudo, de tirar vantagem ou nos prejudicar. Embora o tema fizesse alusão à reforma previdenciária e outras dificuldades de governança bolsonariana, a repercussão disso é mais ampla.


A liberdade pressupõe a confiança. Se eu não confio em você, te dou a oportunidade de desconfiar de mim. Ao invés de evoluirmos e ampliarmos nossa perspectiva, construímos barreiras de proteção, seja para não perdermos o que conquistamos, seja para impedir a vantagem dos outros.


Liberdade pressupõe responsabilidade. Quando desconfiamos do outro o pré julgamos, no mínimo, irresponsável. Por isso aprovamos leis que proíbem o que pode tornar o outro perigoso. O crime no Brasil é presumido: é proibido passear com cachorro sem focinheira porque ele pode morder alguém, ou dirigir após beber porque pode causar um acidente. Regulamos demais os negócios, os serviços públicos e a vida das pessoas, talvez porque não conseguimos punir quando os crimes ou danos efetivamente ocorrem.


Houve tempo, aqui no Acre, que era proibido jantar no Água na Boca com os filhos pequenos, após às dez da noite, porque o consumo de álcool e drogas era grande no estado.


A discussão agora é que Bolsonaro extrapolou no decreto que regula o porte de armas. Independentemente dele ter ultrapassado ou não o limite da lei, o que não é a minha praia, os argumentos da turma da proibição indiscriminada são todos na linha de que o brasileiro é irresponsável e perigoso para que possa sair pelas ruas armado, revidando com tiros nas discussões de trânsito, domésticas, ou nos estádios de futebol.


Li uma estimativa de que milhões de brasileiros passariam a andar armados com a abertura dada pelo novo decreto [https://glo.bo/2H9QRSn]. Mas andariam armados legalmente, reduzindo drasticamente a quantidade de pessoas que, por entenderem que precisam da arma, portam ou mantém em casa um revólver sem o devido registro público, e alimentam o submundo do contrabando e da receptação.


Como policial, que tenho a arma como ferramenta de trabalho e o porte irrestrito, aprendi muito, até sobre eu mesmo, andando armado. Atualmente prefiro usá-la somente quando estou em serviço porque isso me evita ser alvo fácil para bandidos desejosos de uma Glock 9mm. Já fui questionado sobre isso impedir que eu atue em alguma situação doméstica, protegendo as pessoas do local. Discordo: bandido nunca anda só e quem saca primeiro ganha. Sozinho e tomado de surpresa é sempre melhor não reagir.


Mas essa é uma decisão minha que o livre arbítrio permitiu. Ao não ter essa oportunidade, o desejo pela arma turva a visão dos aspectos onerosos de possuir e, principalmente, de portar uma.


Defendo fortemente a proliferação dos clubes e estandes privados de prática de tiro. São a melhor oportunidade para as pessoas conhecerem e também discutirem sobre a potência, os perigos, as vantagens e os inconvenientes das armas de fogo.


Armas e munições são produtos caros. Por mais permissiva que for a legislação, requisitos como antecedentes criminais, habilidade de manuseio e aptidão psicológica serão sempre avaliados na expedição do registro e documento de porte. Num país tão desigual quando é o Brasil, ter uma arma legal nunca será fácil para qualquer um.


Para os norte-americanos o culto à Liberdade se potencializa quando tratam de armas e da expressão. Lá eles entendem que quem mata são as pessoas e não as armas ou os discursos. Há sim tragédias e acidentes onde ambos aparecem como instrumentos, mas, comparando com nossos indicadores de violência, parecem mais com o vento do bater de asas das borboletas azuis do Amazonas.

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Antes de mais nada, o brasileiro tem que aprender a confiar no brasileiro.



Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.


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Morte S.A


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