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Filhicídio político

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No primeiro parágrafo da obra O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx escreve: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira como tragédia, a segunda como farsa”. (…)“ Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, levadas e transmitidas pelo passado”.


O pensador alemão esmiuçou – brilhantemente, diga-se – nessa obra a distância entre os dois golpes de Estado efetuados pelos dois Napoleões, o primeiro ( tio ) e o terceiro ( sobrinho ). A dimensão do trágico que acompanha o Golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, em 1799, na França, contrasta radicalmente com a bufoneria do Golpe de Estado de Luís Felipe, intitulado Napoleão III, em 1871.

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A história a “ primeira como tragédia, a segunda como farsa “ , também deu as caras pelo Acre. Em vez de Golpe Militar, centrou-se na influência e participação do vizinho Estado do Amazonas na constituição e gestão das terras e gentes acreanas.


A dimensão trágica da participação do Amazonas na constituição da esfera pública do Acre é bem expressiva. Sem a participação ativa dos Governadores José Cardoso Ramalho Júnior – 1898/1900 – ( que financiou Luiz Galvez ) e Silvério José Nery – 1900/1904 – ( que auxiliou no financiamento do exército de Plácido de Castro ) talvez o Acre nem existisse como rincão brasileiro. Os dois Governadores citados são partícipes da épica conquista das terras acreanas que receberam em seu solo muito suor, sangue e lágrimas.


Todavia, mais de um século depois, com a eleição de Gladson Cameli ( 2018 ) ao Governo do Acre foi criado o ambiente propício para o desenrolar de uma farsa.


É que Eládio Cameli, pai de Gladson Cameli, é um dos empresários mais poderosos da região norte do Brasil. Muito Influente, há muito, na definição política interna do Amazonas surfou com rara eficiência na transformação espetacular da plástica de Manaus em sua transformação na metrópole da Amazônia.


Seu poderio, no entanto, ultrapassa o Estado vizinho. Aqui no Acre, por exemplo, identifica-se a participação de empresas de Eládio Cameli e de seu clã em segmentos importantes da infraestrutura da economia que vão da construção de trechos da BR 364, passando pela implantação de saneamento básico em municípios isolados até a prestação dos serviços de energia elétrica com a aquisição da Eletroacre pela Energisa, por insólitos e simbólicos 50 mil reais.


O fato saliente é o de que Eládio Cameli exerce papel proeminente no Governo de seu filho, no Acre. De Manaus, emanam as principais leituras, as decisões substantivas e as intervenções levadas a cabo na Administração Pública do Acre.


A segunda intervenção amazonense começou em grande estilo, antes mesmo de Gladson Cameli tomar posse como Governador. Os manauaras receitaram a reforma administrativa, que apresentou pelo menos três tipos de desdobramento: a) de natureza administrativa, propriamente dita, para fazer caixa com a drástica redução do quantum salarial gerador de um baque expressivo na massa salarial dos acreanos e, por conseguinte, nas atividades econômicas dependentes de consumo. E a compressão, o arrocho salarial, já possui feição. Segundo informação veiculada pelo jornalista Archibaldo Antunes o saldo de caixa do Governo do Acre, no quadrimestre, já está na faixa de dois bilhões de reais, retirados da esfera de circulação de uma economia bastante incipiente, débil e frágil; b) de natureza política, expressa pela aliança entre Gladson Cameli e Tião Viana para aprovar a reforma administrativa que implicaria, também, em contrapartida na aprovação de todas as contas do Governo de Tião Viana por parte dos deputados ligados ao futuro Governador. É desconhecida a circunstância de se a profusa absorção posterior de quadros dirigentes do PT pelo Governo Gladson Cameli fez ou não parte desse acordo; c) de natureza ética. A aprovação unânime das contas do Governo de Tião Viana, na alta madrugada, sem nenhum exame, sem nenhuma opinião, foi ato de licitude duvidosa, que espancou a plenitude das funções republicanas do TCE e da ALEAC.


Por outro lado, constatou-se que as principais funções financeiras nas Secretarias fins e detentoras dos maiores orçamentos foram ocupadas por quadros oriundos da cidade de Manaus.


Como um iceberg, o Governo de Gladson Cameli é comandado pela parte oculta, submersa, invisível a olho nu. Ao que é dado conhecer, em determinada hora da noite, Eládio Cameli, de Manaus, comunica-se com o Conselheiro Malheiros, do Tribunal de Contas do Estado, em Rio Branco, e despacham com frequência regular sobre os destinos do Acre.


As sínteses dos despachos sob forma de orientações são repassadas subsequentemente pelo Conselheiro Malheiros, como linha de transmissão, aos titulares turbinados e empoderados por ele nas Secretarias operacionais, que as executam com espartano rigor. Ou seja, interesses baseados no Estado do Amazonas estão no âmago do comando do Governo do Acre e têm feito de títere o Governador Gladson Cameli, a despeito de seu inegável carisma.


Talvez caiba indagar-se das razões dessa burla, sobre os conteúdos dessa farsa. Afinal de contas, o Acre, depois de duas décadas de vianopetismo, necessitava de um comando dirigente capaz de debruçar-se sobre ele, de compreendê-lo e de propor as ações mais adequadas e diligentes para reagir ao célere processo de pauperização material e do ânimo de seu povo.


Sabe-se o quão difícil e penosa é uma leitura correta da realidade, mesmo quando para efetivá-la reúne-se e lança-se mão da fina nata, do “ crème de la crème “ dos estudiosos, pesquisadores e observadores locais, com ela envolvidos em tempo integral, ou seja, por mais que se conseguisse avançar o ato de conhecer a realidade local ainda assim seria insuficiente frente a tantas demandas.


E aí reside uma face explícita do engodo. Imagine-se um grupo de ignorantes em Acre prescrevendo soluções simples e equivocadas para problemas complexos e difíceis, que desconhecem. Não poderia ser outro o resultado; o fato é que os tutores amazonenses aprofundaram a recessão da economia acreana, atirando-a numa depressão, e desenharam e impuseram um modelo institucional inteiramente inadequado ao funcionamento do Estado.

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Com efeito, o símbolo maior da incúria manauara sobre o Governo do Acre foi a extinção do Instituto de Mudanças Climáticas – IMC – que desabilitou o Acre a receber mais de centena de milhões de reais já negociados com organismos internacionais, pelo Governo de Tião Viana, e a necessidade imperiosa de nova reforma administrativa quatro meses depois de iniciado o Governo.


A repetição da história acreana como farsa pode tomar a feição de um filhicídio político como consequência indesejada da intervenção amazonense.


Não há como fugir da impressão de que a maior parte da sociedade acreana está insatisfeita e angustiada. Apenas é de se desejar que ela não esteja a temer o acreanicídio.


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