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Agricultor é morto e famílias são expulsas em novo conflito fundiário no sul do Amazonas

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O agricultor Nemes Machado de Oliveira, 53 anos, foi morto com um tiro nas costas e outro na cabeça e dezenas de pessoas foram expulsas de suas casas em mais um conflito agrário na Amazônia brasileira. Desta vez, o caso aconteceu no município de Lábrea, no sul do Amazonas, na tríplice divisa com o Acre e Rondônia.


A região já é conhecida como “faroeste amazônico” pelo histórico de violência na disputa por terras que resulta em assassinatos e ameaças às famílias de sem-terra, grilagem, exploração ilegal de madeira e desmatamentos. De acordo com relatos, na região há até uma lista de pessoas marcadas para morrer.

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Testemunham relatam que ao menos três pessoas foram mortas na região durante o último fim de semana. O Comando de Policiamento do Interior da Polícia Militar do Amazonas confirmou as quatro mortes, incluindo a de Nemes Machado. Os outros três corpos foram encontrados em um matagal no entorno do local onde ocorreu a ação de jagunços. Ainda não se sabe se eles também são vítimas da ação do grupo.


A Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Acre acompanha o caso e diz que o clima é de tensão e medo no sul de Lábrea.


O cenário do ataque foi o Seringal São Domingos, que fica no município de Lábrea. O seringal está distante quase 50 km das margens da rodovia BR-364, que interliga as capitais do Acre, Rio Branco, e a de Rondônia, Porto Velho. Ainda durante a madrugada do último sábado (30), ao menos seis homens armados e encapuzados começaram uma ação violenta contra as famílias.


O agricultor Nemes Machado de Oliveira era casado e pai de três filhos. Morador do município de Acrelândia, no Acre, ele comprou uma área de terra para investir na criação de animais e na agricultura no seringal, no sul de Lábrea.


Uma outra pessoa só não foi morta porque conseguiu escapar dos tiros pulando num açude, escondendo-se numa área de mata por mais de duas horas. A mulher, grávida, e os filhos foram obrigados a deixar a casa apenas com a roupa do corpo, tendo que caminhar por quilômetros até chegar às margens da rodovia.


A grande maioria das famílias que reside no seringal São Domingos é oriunda de Acrelândia (distante 110 km de Rio Branco). Elas viram nos preços baixos das propriedades rurais vendidas na vizinha Lábrea uma oportunidade para “realizar o sonho de ter um pedaço de terra”, como eles próprios relatam.


A reportagem da Amazônia Real conversou com algumas das pessoas que vivenciaram o momento de pânico. Uma mulher, que prefere não ter o nome revelado, disse que ela, os filhos e a nora “só não morreram pela misericórdia de Deus”.


“Fomos humilhados, saímos de lá debaixo de arma, pessoas fortemente armadas. Nós saímos [vivos] porque nos humilhamos. O que falavam para nós a todo momento é que eles estavam lá para matar”, afirma ela.


Sidney Miguel Andrade, 40 anos, é um dos últimos moradores do ramal da Torre, que corta o seringal. Os jagunços chegaram a sua casa por volta das 8 horas. Eles agiram com a mesma violência e o obrigaram – junto com a família – a deixar tudo para trás e ir embora.


“Deixei minhas 75 cabeças de gado e toda a minha plantação. Só saímos com as roupas que estávamos usando. Toda a nossa vida, todo o fruto de nosso trabalho foi perdido assim”, diz. De acordo com Sidney, os homens chegaram a se apresentar como policiais, dizendo que a ordem era expulsar os ocupantes.

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“O cenário que a gente viu era de tristeza, de partir o coração. Os barracos de nossos amigos pegando fogo, nossas motos destruídas. Não sobrou nada”, completa. De acordo com ele, os homens faziam fotos dos moradores dizendo que, se eles ali fossem vistos novamente, “não teriam uma segunda chance”.


Samuel Gonçalves, 46 anos, foi um dos primeiros a se deparar com o grupo armado. Ele estava cortando estacas para cercar sua propriedade às margens do ramal quando foi abordado. Com as armas em punho, os jagunços deram ordens para que fosse embora.


“De longe eu só via a fumaça saindo da casa do pessoal. Minha única reação foi subir na minha moto e escapar com vida. Eles estavam dispostos a tudo”, afirma. Samuel diz ter sido a primeira pessoa a chegar a Acrelândia e comunicar o ocorrido.


Impasse territorial


Apesar de o seringal estar localizado no Amazonas, as famílias foram pedir ajuda nas polícias de Rondônia e do Acre. A entrada do ramal que dá acesso ao local fica no distrito de Nova Califórnia, pertencente a Porto Velho. A sede do município de Lábrea está distante quase 500 km do seringal, sem acesso terrestre ou fluvial.


A Polícia Militar de Rondônia afirmou que nada poderia fazer por não ter autorização para atuar no território do Amazonas. O mesmo foi alegado pela PM do Acre, ao dizer que não existe um termo de cooperação com o governo amazonense neste sentido.


O sargento aposentado Humbertino Costa, morador de Acrelândia, foi a única autoridade a estar no local. A tarefa era resgatar o corpo de Nemes Machado, pois a Polícia Civil também afirmou não estar autorizada a operar em Lábrea.


Após ser enrolado numa lona e colocado na carroceria de uma picape, o corpo de Nemes foi levado para o IML de Rio Branco. O enterro aconteceu no fim da manhã desta segunda-feira em Acrelândia.


Na delegacia da Polícia Civil da cidade foram registrados os boletins de ocorrência com a morte de Nemes Machado e os demais casos de violência sofridos pelas vítimas. Eles foram comunicados, contudo, que as autoridades acreanas nada poderiam fazer porque os crimes ocorreram na jurisdição do estado do Amazonas.


As famílias afirmam que passaram a comprar as propriedades a partir de 2014 de pessoas que já ocupavam as terras. Recentemente foi descoberto que as terras são de propriedade da União, e que os documentos de posse eram falsos – ou seja, as terras públicas tinham sido griladas.


A região é bastante cobiçada por madeireiros e fazendeiros interessados em ampliar as áreas de pasto. Os acreanos que moram na área são pequenos e médios produtores, com as fazendas medindo de 100 a 400 hectares. Estima-se que ao menos 160 famílias morem dentro do Seringal São Domingos.


Agência Amazônia Real


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