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A igreja, a família e o pé de goiaba

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“Aos dez anos de idade, eu ia me matar. Eu peguei uma substância e ia tomar aquela substância. A casa pastoral do meu pai ficava no fundo da igreja e do lado da casa do meu pai tinha um pé de goiaba. E é naquele pé de goiaba que eu subia e chorava. E no dia que eu estava com o veneno em cima do pé de goiaba aconteceu algo extraordinário, prestem atenção, vocês acreditem se vocês quiserem: quando eu ia tomar o veneno, eu vi Jesus se aproximando do pé de goiaba. Eu tive uma revelação extraordinária!”


O testemunho acima é da futura ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves. Foi contado no altar de um templo evangélico tomado de fiéis.

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Damares, a futura ministra, nasceu em um lar cristão evangélico. Seu pai, segundo ela registra no testemunho, era pastor. O nome dela, certamente, foi uma homenagem a uma outra Damares, personagem da Bíblia que teria se convertido provavelmente após uma pregação de Paulo, o apóstolo, conforme registro do livro de Atos dos Apóstolos, o quinto do Novo Testamento.


A Damares que vai virar ministra de Bolsonaro teve uma infância difícil, dolorosa, similar a de muitas meninas pelo país afora. Dos 6 aos 8 anos de idade, ela foi abusada e apesar de sinalizar a situação à família crente, pregadora da justiça e da compaixão, ninguém percebeu. Em uma parte de seu depoimento aos seus irmãos de igreja, ela afirma:
“A família não viu, a igreja não viu. O meu ambiente de proteção era a igreja e a família”.


Eu tenho um amigo de infância, o Chicó, que tentou suicídio algumas vezes. Aos 16 anos, mergulhado em uma depressão profunda, ele tomou veneno e conseguiu ser salvo porque uma tia dele o viu passando mal no quarto e o levou a um hospital. Dois anos depois, ainda depressivo e desenvolvendo esquizofrenia, Chicó outra vez tentou tirar a própria vida.


O enredo da vida de Chico é bem parecido com o de muita gente. A mãe dele apanhava diariamente do pai, que era alcoólatra. Suas duas irmãs menores indefesas sofriam com a violência dos pais. Ele, o mais velho dos filhos, mais ainda.


O chão de Chicó desmoronava precocemente até que um dia ele conheceu uma pessoa, sujeito do tipo raro, generoso. Vidal era seu nome, um membro de uma comunidade daimista. Vidal convidou Chicó para uma reunião em uma comunidade de gente simples. Ele foi, e desde o primeiro dia em que Chicó pisou naquela congregação de pessoas comuns sua vida mudou. A mente suicida, agora transborda vida.


Mecânico, hoje com 34 anos, Chicó sustenta a mãe, que mora com ele. O pai morreu. Suas irmãs são estudantes.


Conversa vai, conversa vem, Chicó começa a contar suas experiências. Lembra dos dias em que esteve à beira da morte e agora conta que a primeira vez que tomou daime teve a sensação de estar flutuando em outra dimensão em um lugar de paz profunda, um ambiente jamais experimentado. Algo do transcendente. “Quando estou naquele lugar tenho paz”, conta ele, ao garantir que venceu a depressão e nunca mais pensou em suicídio.


Chicó e Damares, cada um da sua forma e com seu credo, o que é muito individual, acreditam que venceram a depressão e a alma suicida com a ajuda divina. Damares diz ter visto o Filho de Deus. Chicó garante estar acompanhando por seres angelicais.


Sou extremamente cético, me encontro às vezes no niilismo, mas aprendi a entender as várias formas em que o indivíduo tenta se encontrar no mundo.
Há quem procure nos espíritos da floresta seu guia. Existem os que acreditam nos orixás. Ou aqueles que observam as águas como um componente espiritual. Há ainda quem prefira a forma oriental de observar o mundo transcendental.
Existem os que se vestem de ateus porque precisam ser aceitos na rodinha supostamente intelectual da universidade e que
acham que ser religioso é para os fracos. Há os ateus que não fazem propaganda, pois não necessitam de autoafirmação e tem aquele ateu que é ativista e faz do seu ateísmo uma espécie de religião.


Eu não sei se Damares viu Jesus. Isso não me interessa. Mas o contexto da infância dela é que é perturbador.


Sobre a ida de Damares para o Ministério dos Direitos Humanos não vou me antecipar com críticas. Ela sequer assumiu o setor. Mas espero, sinceramente, que Damares não sofra daquela mesma surdez e insensibilidade da igreja e da família.


“A família não viu, a igreja não viu.”


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