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Suicídio: um problema presente – confira a 2ª reportagem sobre depoimento e estatística no AC

PARTE 2: DEPOIMENTO X ESTATÍSTICA DO MEDO

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O depoimento da estudante Bia, de 30 anos, que ilustrou, no domingo passado, a primeira reportagem desta série especial, é apenas um dos outros diversos casos de suicídio ou tentativas que ocorreram no Acre. Famílias assustadas, população preocupada. Esse é o reflexo do aumento na estatística do suicídio no estado acreano.


O quadro é tão preocupante que entre 2014 (139 registros) e 2015 (180 registros) houve um aumento de 41 casos notificados pelo sistema de atendimento do Núcleo de Prevenção ao Suicídio do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb), departamento criado em 2012.

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Só em 2016, em Rio Branco, foram registrados mais de 140 atendimentos pelos mesmos motivos: pessoas tentando tirar a própria vida. Deste número, boa parte conseguiu consumar o ato. Mas o que chama ainda mais a atenção são os registros de 2017: em oito meses já são 169 atendimentos, ou seja, recorde nos registros.


O personagem dessa semana é o André, que tem 19 anos e tentou se matar dentro de casa, após o término de um relacionamento amoroso. Ele aceitou conversar com o portal sem ser fotografado ou identificado aos leitores. Condições que, assim como as de Bia, foram aceitas. André estuda arquitetura em uma faculdade privada de Rio Branco.


“Eu, no início, não conseguia me entender. Eu sempre me relacionei com garotas, desde que eu era adolescente, mas essa minha ex-namorada era muito especial. Ela me deixou aparentemente sem motivos. Eu me senti impotente. Veio a depressão e eu me via como um jovem sem perspectivas. Não demorou e acabei fazendo essa besteira”. Na sequência, André conta como tentou se matar. Isso não vamos relatar.


O caso de André é semelhante a relatos de famílias que perderam entes queridos. É um caso bem típico. Jovens, adultos, idosos; até crianças estão nessa “estatística do medo”. Já não importa mais a classe social ou a história de vida das vítimas desse mal chamado suicídio. Agora, essa é uma questão que precisar ser debatida e prevenida.


“Na hora que eu percebi a depressão batendo na minha mente, eu até tentei ajuda, mas não consegui isso dentro de casa. As pessoas me julgavam e diziam que eu era ‘um jovem bonito, com um futuro pela frente’ e que eu tinha a mente fraca. Eu acho que era fraca mesmo. Eu não estava conseguindo levantar daquela situação e mudar tudo. Estava sem forças”, conta.


Preocupado com os pensamentos suicidas, o pai de André resolveu levá-lo a um psicólogo. O garoto havia emagrecido pelo menos 5kg, e a aparência já não estava mais agradando amigos, nem familiares, que viam no estudante o risco iminente de cometer uma “bobagem”. Não demorou um mês, e isso aconteceu.


“Eu falava para os meus pais que estava indo para a terapia. Eu fui umas duas sessões, mas depois tive medo de falar demais do que eu sentia e parecer fraco, então, como já estava com aqueles pensamentos ruins, acabei não indo mais, e me mantive em silêncio para que meus pais não desconfiassem. Eu só queria me livrar daquele sentimento, daquela dor que era estar sozinho, sem ela do meu lado”, relata.


André, após tentar suicídio, foi levado ás pressas para o Hospital de Urgência e Emergência, e foi nesse dia que conheceu a equipe do Núcleo de Prevenção coordenado pela psicóloga Andréia Vilas Boas. Descobriu ali que não precisa chegar a esse extremo para conseguir se livrar daquilo que, como disse o estudante, “parecia a morte chamando” pelo nome dele.


“Eles foram na cama onde eu estava e conversaram comigo. Fiquei sendo acompanhado, conversei com psicólogo, fui orientado e meus pais também puderam conversar sobre mim, sobre a preocupação deles. Depois dali eu consegui ver uma luz no fim do túnel, e entendi que aquela minha ex-namorada era apenas uma experiência para que eu pudesse crescer, não me destruir”, desabafa.



O NÚCLEO


Ao perceber a necessidade de melhor avaliar os atendimentos como características suicidas, a psicóloga conta que foi proposta a criação do Núcleo. O que ante se mantinha na média de 50 casos, agora, com quatro anos de atuação do setor hospitalar, os números saltaram para 78 (2013); 139 (2014); 180 (2015); e, em queda, 144 (2016). Mas, em 2017, os números aumentaram de novo, dando preocupação.


“A gente teve um aumento duplicado de procura por atendimento do plantão. E não são casos leves. O plantão é para intervenção emergencial. A Organização Mundial de Saúde vem alertando para isso desde 2000: o suicídio é numa situação de saúde pública. As estratégias de prevenção não aconteceram e então temos essa situação de uma emergência em relação tanto às tentativas, como do suicídio. Para cada pessoa”, diz a coordenadora do núcleo.


A especialista explica o por que de tantos adolescentes e jovens estarem seguindo o caminho do suicídio. Para ela, falta diálogo efeito dentro de casa ou nos coletivos sociais em que esses personagens estão inseridos. Reflexo, portanto, da poupa ou quase nenhuma política pública se prevenção e combate a esse mal. Andréia é taxativa em explicar esse panorama.


“Em relação aos adolescentes e crianças, eles tem menos artifícios de defesa em lidar com os obstáculos, os conflitos da vida. São vários os fatores. E aí vem a internet, o celular. Eles estão com cada vez menos relacionamentos interpessoais e aí o uso do celular te dá uma sensação de falsa companhia. Sem falar que esse público tem menos apoio dentro de casa. Diferente dos adultos”, comenta.

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A psicóloga fala também sobre a impulsividade que esses personagens têm. Para ela, não há uma resposta única para o suicídio, mas várias possibilidades, várias explicações. “É necessário usar nossas armas, aquilo que nós já dispomos na comunidade: a escola, a imprensa, as famílias. Melhor que mandar uma mensagem, talvez seja ligar. É necessário resgatar nossos vínculos com que está próximo”, diz.


Os atendimentos, que ocorrem sempre durante o dia, de segunda a sexta-feira, se configuram no primeiro passo para um tratamento correto daquele que sofre principalmente com a depressão, um dos fatores que mais levam à morte voluntária.


ESTRUTURA DEFICIENTE


A especialista destaca que o Serviço de Psicologia do Huerb funciona apenas como porta de entrada para pacientes com estado de leve a moderado. É, na verdade, o braço de um sistema muito mais amplo. Mas no outro caminho, o município de Rio Branco, que dispõe de apenas cinco profissionais para atender toda a população, faz esses atendimentos nas próprias unidades básicas de saúde, as UBSs.


“A dinâmica lá é diferente. São cinco psicólogos apenas, então é preciso fazer um agendamento. É preciso que a pessoa se dirija até lá para ter esses atendimentos. E tem também as UPAs, que funcionam como pronto atendimento, ou seja, já atendem de imediato casos urgentes. Mas, plantão especializado mesmo, só aqui no Pronto Socorro”, diz.


Andréia Vilas Boas também destacou que outras instituições ofertam atendimentos a pessoas que estão com sintomas de depressão ou pensamento suicida. Ela conta que instituições como as faculdades FAAO e Uninorte também recebem pacientes gratuitamente. “Existem várias portas abertas para receber essas pessoas”, comenta a psicóloga.


O Hospital de Saúde Mental de Rio Branco (Hosmac) já não é mais uma referência na busca desse tipo de atendimento. Nesse sentido, a unidade de saúde já não recebe novos pacientes, visto que a política nacional hoje é diferente daquela existente quando foi criado o hospital. Uma mudança que se arrasta desde a década de 1980 e, ainda hoje, não está posta por completo.


“O Ministério da Saúde entende que essa lógica de atendimento já não é a mais adequada. A proposta que surgiu de 1980 a 2001, quando foi criada a Lei da Reforma Psiquiátrica, diz que o tratamento da saúde mental deve acontecer na comunidade, próximo ao local de residência, mantendo os vínculos familiares. Por isso dizemos hoje em dia que o Hosmac não tem mais razão de ser”, pontua.



Andréia deixa claro que ainda falta muito para a política de assistência à saúde mental no Acre se tornar referência, já que em Rio Branco, por exemplo, o número de psicólogos contratados é bastante baixo para a necessidade populacional. Ela diz que para os serviços serem eficazes, bem elaborados e executados, é preciso que o município também priorize isso.


“O que deveria ser implantado? Os CAPs. Aqui nós só temos um centro de atendimento. Precisamos também das unidades de atendimento, que vão acolher essas pessoas de forma específica. Então, são várias outras unidades de saúde que deveriam ser implantadas para substituir o Hosmac. E isso é o que complica. Essa logica de atendimento dentro do manicômio não deveria existir mais”, completa.


Para André, cuja história foi contada acima, mais que a estrutura física e de pessoal, é necessário que a sociedade tenha mais sensibilidade frente aos familiares ou amigos que apresentam os sintomas da depressão ou características de quem pode cometer um suicídio. É preciso, diz o estudante, ouvir e conversar com essas pessoas, gente como ele, que esperou de alguém um simples apoio para continuar a jornada da vida.


“O suicídio não é uma coisa que todos saem por aí falando que vai fazer e faz. A gente acaba dando alguns sinais, às vezes sem esse interesse, mas como ninguém percebe, e ficamos sozinhos, sem apoio, acabamos por tentar fugir de tudo isso, por fim a tudo isso, e tentamos. Mas a melhor saída, hoje eu aprendi isso, é gritar e pedir ajuda. Por isso que as pessoas precisam ouvir e acreditar que aquilo é possível, e que é preciso ajudar de verdade, sem julgamentos”, finaliza.


REALIDADE DURA


Hoje, o suicídio mata mais jovens que o HIV, e pessoas entre 15 e 29 anos vêm recorrendo ao ato extremo com maior frequência nos últimos dez anos. O tema ainda carece de debate pela sociedade, que muitas vezes prefere o silêncio ao invés da discussão sobre como prevenir mortes desse tipo. Exemplo de que falta dialogar e aprender mais sobre a construção de armas contra esse mal.


Especialistas são unânimes que falar sobre o tema e abrir o debate na sociedade é o primeiro e decisivo passo. A prevenção começa em casa com o diálogo e a identificação de possíveis comportamentos de jovens e adultos que estão em sofrimento. Isso foi destaque em uma reportagem especial da Rádio Senado, em maio desse ano.


E por ser importante debater o assunto, no próximo domingo, dia 24, a série especial “Suicídio: Um problema presente”, alusiva ao “Setembro Amarelo”, mês de combate e prevenção ao suicídio, vai detalhar os dados sobre o assunto e apresentar a opinião de especialistas. Tem também o depoimento de outra vítima que conseguiu escapar da morte e, hoje, atua para prevenir que novos casos sejam registrados.


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