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Mistério de desenhos geométricos do Acre é decifrado

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Pode ser que o mistério dos geoglifos da Amazônia esteja chegando ao fim. Há mais de 500 desses estranhos desenhos geométricos espalhados pelo território do Acre, alguns medindo uns três quarteirões de diâmetro, todos feitos na época anterior à chegada dos europeus ao Brasil.

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As estruturas pareciam sinalizar a presença de sociedades indígenas complexas e populosas, que teriam até desmatado boa parte da floresta para construir seus monumentos, mas uma nova análise sugere que os geoglifos costumavam ter vida curta e podiam ser produzidos por grupos indígenas pequenos.


Tais conclusões, que ressaltam como ainda se sabe pouco sobre a pré-história amazônica, estão num estudo publicado recentemente na revista científica americana “PNAS”.


“O que é bacana nos geoglifos é que eles mostram duas coisas: a Amazônia foi grandemente manipulada por povos do passado; e isso se deu de formas diferentes nos diferentes lugares, de acordo com condições ecológicas específicas e com a bagagem cultural de cada povo”, resume a arqueóloga Denise Schaan, do Departamento de Antropologia da UFPA (Universidade Federal do Pará).


Denise é coautora do novo estudo, junto com pesquisadores como Alceu Ranzi, da Universidade Federal do Acre, e da britânica Jennifer Watling, da USP e da Universidade de Exeter (Reino Unido). Junto com Ranzi e outros colegas, Denise tem tentado entender o enigma dos geoglifos desde a década passada.


Com formatos como círculos, quadrados e losangos, às vezes aparentemente combinados no mesmo terreno, os geoglifos acreanos começaram a ser identificados há pouco tempo, com o avanço do desmatamento no Estado, pois antes estavam recobertos pela mata.


As trincheiras que delimitam os desenhos podem chegar a 11 metros de largura e quatro metros de profundidade. Há poucos restos de cerâmica pré-colombiana no perímetro dos desenhos, e praticamente nenhum sinal de ocupação humana de longo prazo. As datações feitas até agora sugerem que a maioria deles foi construída entre 2.000 anos e 650 anos atrás. Como ninguém parece ter morado lá dentro, a hipótese mais aceita por enquanto é que eles funcionavam como centros cerimoniais – grandes terreiros para festas e danças, por exemplo.


PLANTAS DO PASSADO

Para entender melhor o que estava acontecendo na região naquela época, os pesquisadores realizaram escavações em dois geoglifos já bem estudados, que ficam a cerca de 10 km de distância um do outro. Além disso, também cavaram o solo a diferentes distâncias (de 500 metros até 7,5 km) de um dos geoglifos, para tentar investigar o impacto da construção da estrutura nas áreas vizinhas.


A vedete dessas escavações não foram pontas de flecha ou vasos de cerâmica, mas os humildes fitólitos –minúsculos grãozinhos minerais produzidos pelas plantas. Ocorre que é possível identificar uma espécie de vegetal apenas por seus fitólitos, o que significa que eles podem dar uma ideia bastante boa da vegetação que existia em determinado lugar no passado.


A análise dos fitólitos indica que, assim como ocorria antes da onda moderna de desmatamento, o Acre da época da construção dos geoglifos era dominado por uma floresta característica, com grande abundância de espécies de bambu. Há cerca de 4.000 anos –muito antes, portanto, da criação das estruturas–, há sinais de queimadas de grande escala na região. Depois desses eventos, a composição de espécies das matas muda de forma considerável, com o aumento de cerca de 30% das espécies de palmeiras.


Isso indica que já havia por ali grupos indígenas moldando a composição de espécies da floresta a seu favor, já que as palmeiras, como a pupunha, estão entre as principais árvores manejadas ou domesticadas pelos nativos da Amazônia, em geral por causa de seus frutos. É como se a mata fosse parcialmente transformada em pomar, digamos.

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Por outro lado, quando os geoglifos começaram a ser construídos, não houve uma mudança radical nos fitólitos. Os pesquisadores calculam que, se a área dos monumentos fosse desmatada permanentemente, a proporção de fitólitos de grama deveria aumentar para cerca de 50%, mas ela se manteve o tempo todo abaixo dos 10%. Segundo eles, os geoglifos não chegaram a permanecer desmatados por mais de 40 anos.


Além disso, a meros 500 metros de distância dos desenhos, não há sinais de mudança na vegetação, o que indica que o impacto das estruturas era altamente localizado –regiões no entorno não costumavam ser desmatadas. Em suma, na época pré-cabralina, as florestas do Acre tinham sido alteradas significativamente pela presença humana, mas isso não significava desmates permanentes ou de larga escala.


Denise conta como imagina que a sociedade dos construtores de geoglifos funcionasse. “Seriam grupos com algo entre cem e 200 pessoas, reunindo-se esporadicamente para a construção ou reforma de alguns desses recintos. Poderíamos pensar que, num dado momento, haveria uma população total de 6.000 pessoas, divididas em 30 grupos. Muitos deles morariam por perto, tinham roças, outros ficariam morando por ali por um período depois que a festividade acabasse; outros seriam nômades, vivendo nos rios em embarcações grandes, navegando e fazendo trocas comerciais.”


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