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No Acre, enfrentamento de enchentes e estiagens deveria ser contínuo

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POR FELIPE STORCH

Rio Branco, capital do Estado do Acre, sofreu no ano passado a maior enchente de sua história, quando o nível do Rio Acre chegou a 18,18 metros de profundidade. A cidade enfrenta agora uma das suas maiores estiagens, com o nível do Rio Acre chegando a 1,42 metros nesta quarta-feira (3).


O que desregulou nosso sistema?

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Eventos climáticos extremos se tornaram tema do noticiário local. Dois anos antes, em abril de 2014, o governo do Acre havia decretado estado de calamidade por conta da maior cheia do Rio Madeira. Em março de 2015, foi a vez da prefeitura de Rio Branco decretar situação de calamidade por causa da maior cheia do Rio Acre. Em junho de 2016, o decreto de situação de emergência derivou de uma das maiores secas da história do mesmo Rio Acre.Qual será o noticiário do ano que vem?


O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) popularizou a ideia de que com o aquecimento global, “áreas úmidas ficarão mais úmidas e áreas secas ficarão mais secas.” Para a Amazônia, isso se traduz em muita chuva em poucos dias. O temor é grande, pois a variação pluvial durante o ano tende a se exacerbar na região (IPCC 2013, aos interessados). Ainda que alguns cientistas questionem a escala de mudança do IPCC, a linha de base é chuvas mais concentradas em poucos dias da época de cheia.


Pesquisas locais trazem um outro lado da história de inundações e estiagens. Um estudo da WWF e Secretaria de Meio Ambiente do Acre sobre as vulnerabilidades ambientais no Igarapé Judia, que nasce no município de Senador Guiomard, revela que “as áreas de florestas estimadas em 1996 em 2,4 mil hectares chegaram a 942 hectares em 2010, reduzindo de 20% para 7% a cobertura vegetal da bacia”.


É conhecido que cada árvore funciona como um “amortecedor” contra eventos climáticos ao absorver água, reter calor e, por fim, regular o clima. Mesmo com esses dados, as margens da Bacia Hidrográfica do Rio Acre continuaram a ser desmatadas, reduzindo a zona de amortecimento do rio.


Entre uma seca e outra, qual medida foi tomada?


A enchente ou a seca do rio causam impactos sociais alarmantes. Na cheia do ano passado, 53 bairros foram alagados e 87 mil pessoas afetadas – isso sem falar no trauma das 5 mil famílias desabrigadas. Na seca, foi proposto o racionamento da água encanada, já escassa nos bairros pobres de Rio Branco. Até mesmo quem não usa água do Departamento Estadual de Pavimentação e Saneamento (Depasa) encontra as consequências da escassez, pois a procura e o preço por água potável aumentam.


Medidas imediatas são parte da solução. Para garantir o abastecimento de Rio Branco, o Depasa construiu– e ampliou – uma barragem com sacos de areia ao redor das torres, para garantir o volume de água captada de 1,3 mil litros por segundo. O sistema de captação, normalmente situado na margem do rio, ganhou bombas flutuantes em trechos mais profundos do leito do rio. O Depasa também anunciou que fará “blitz” nos bairros no horário de abastecimento para evitar desperdícios. Ações louváveis e necessárias para evitar o desabastecimento.


Contudo, só uma mudança de comportamento resolverá o problema definitivamente. Três medidas são fundamentais. A primeira é cortar o desperdício – e aqui a responsabilidade é da população. Segundo índice do Instituto Trata Brasil, as perdas de água foram de 60% do valor distribuído em 2013, o que faz Rio Branco ficar entre as 100 cidades brasileiras que mais desperdiçam água. Não adianta só o governo tomar medidas (quando toma) se a população não corta o desperdício. Parte dessa proposta requer a persistência da fiscalização e monitoramento além das épocas extremas de cheias e secas.


A segunda solução é aumentar o número de árvores na região. Pode parecer contraditório – Rio Branco, uma capital no meio da maior floresta tropical do mundo, precisaria de árvores? Um relatório do governo do Estado aponta que nenhuma das cidades do Acre atende aos requisitos mínimos da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana ou da Organização Mundial da Saúde. Outro levantamento, dessa vez apresentado no Fórum de Engenharia e Desenvolvimento Sustentável, mostra que o desmatamento ao redor de muitas nascentes longo do Rio Acre é alarmante. Essa é outra política pública que requer tempo e persistência para ser efetivada.


Por último, mais trabalho colaborativo de educação ambiental é fundamental, o demanda trabalho constante desde cedo. Uma forma de fazê-lo é criar um comitê permanente do qual participem membros da academia, do poder público e da sociedade em geral. Pensar a questão das mudanças climáticas e dos ciclos de cheias e secas de uma forma colaborativa instiga a inovação, pois é só assim que poderemos mitigar os efeitos devastadores dos eventos extremos.

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As notícias de eventos climáticos extremos são frequentes, alarmantes e causam muito dano ambiental, social e econômico. Medidas imediatistas ajudam, mas somente um trabalho rígido de médio e longo prazo resolverá o problema. Ação individual, planejamento urbano, colaboração e educação ambiental são etapas necessárias e que precisam de acompanhamento constante.


Não precisamos viver de crise em crise; precisamos reconhecer que as mudanças climáticas – mesmo sendo um desafio – são a nova realidade. Construir resiliência, através de fortalecer as estruturas físicas e o tecido social, trará uma resposta duradoura. Assim, teremos um posicionamento proativo e contínuo.


Esses passos podem parecer difíceis, mas vamos encarar os fatos: o Rio Acre passa por onde cerca de 70% da população do Estado reside e os eventos extremos voltam ao noticiário todo ano. Cessar tais eventos requer trabalho árduo, principalmente na época entre enchentes e secas.


Felipe Storch é acreano, formado em Economia e Gestão Ambiental pela Franklin & Marshall College, EUA. Seu twitter é @Felipe_Storch.


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