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Caminho Suave

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Eu não sei bem porque, mas quando o tempo muda, a temperatura abaixa e o vento ensaia cânticos tristes, dá-me um vazio que não domino. É uma necessidade que cultua o enigma, escondido em palavras que se afastam de mim, negando-me a verdadeira forma de descrevê-lo.


Foi assim desde as mais remotas épocas de minha curta vida. O frio me traz sempre lembranças melancólicas, uma nostalgia forçada que demonstra minha incapacidade de esquecê-las.

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Éramos seis! Ou melhor, oito, contarei meu pai, mesmo sabendo que ele não merece esses números. Expulsos de Cruzeiro do Sul, mercadorias humanas no búfalo da FAB, misturado com frutas, caixas e lonas, chegávamos a Rio Branco.


Horrorosa capital, deformada pela incompetência dos governantes, bagunçada e torta pela régua de um povo pobre e carente. Terra sem lei! Terra de desleais!


Minha doce mãe, o único ser desse mundo a quem depositei amor eterno, com seis filhos, sozinha, desesperada com o naufrágio que o destino lhe deu, teve de lutar com um monstro. Conseguiu um emprego, nessas firmas de limpeza, para limpar as escadas da Assembleia Legislativa. Perdia seus fins de semana com vassouras e panos, perdia sua noite. Não perdia nenhuma novela. Não tínhamos televisão.


Emprego simples, humilde, porém possível e capaz de ser realizado. Limpar o espaço externo do prédio.


Minhas primeiras mentiras, eu aprendi na escola. Nos meses de maio a agosto, eu respondia a todos que me viam, com aquela roupa de tergal branca, um caderno sem arame dentro de um saco plástico e um tênis “allcolor”, que não sentia frio.


Não, eu não estava com frio. Aquela pele arrepiada, o leve e discreto tremer dos dentes era apenas uma forma de relembrar a lição do livro Caminho Suave. Com seu pelo macio, deitada sob o tapete da sala, a gatinha Mimi tinha pena de mim.


Eu não sei bem porque, mas quando o tempo muda, a temperatura abaixa e o vento ensaia cânticos tristes, dá-me um vazio que não domino. É uma necessidade que cultua o enigma, escondido em palavras que se afastam de mim, negando-me a verdadeira forma de descrevê-lo.


Por Francisco Rodrigues Pedrosa       f-r-p@bol.com.br


 


 


 


 


 


 


 


 


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