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A velha roupa colorida

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Tudo estava diferente agora!


No belo banheiro recém-construído, enquanto olhava as marcas que o sol tinha feito em seu rosto, se lembrava de um tempo pobre e triste. As mágoas do sindicalismo radical ainda lhe visitavam na voz rouca, ferramenta para tanger os fracassados, e nos braços cansados de balançar bandeiras vermelhas em prol de mudanças coletivas.

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O que mudou foi a sua vida. O seu partido tinha chegado ao poder. Lorotas à parte, BABOSEIRAS IDEOLÓGICAS À MARGEM, seus companheiros perceberam que é loucura lutar contra o mundo. É bem mais simples cuidar cada um de si, ganhar dinheiro e nunca esquecer que era preciso cuidar do grupo que se instalava na panela. Questão de existência. Lei da selva. Afastem-se os que aqui estavam.


Esse foi o destino. Conteve suas revoltinhas urbanas, reparou os erros nos cabelos, trocou o guarda-roupa e já nem se lembrava daquele carro velho com um macaquinho numa rede amarela colada ao para-brisa.


No mercado, sentia na carne as transformações. Agora o carrinho cheio de guloseimas continha tudo de bom. Um papel higiênico sensível e macio com vitamina D, em uma embalagem bonita, esclarecia que aquele homem não era um assalariado, ou um qualquer que conta na cabeça se o dinheiro dará para a feira.


O ex- comunista, agora era plebeu. Buscava a qualquer custo, com um novo jeito de ser, esconder um pouco da idade. A linguagem reformulada, os novos locais frequentados ajudavam no intento.


Só na memória as lembranças dos velhos tempos. Aquela caixinha sem sal branca onde morava, e que recebia o nome de Manoel Julião, aquele fusca vermelho que necessitava da coletividade para funcionar e aquele restaurante barato que fornecia o suco de graça, tudo isso era coisa do passado.


No centro do poder, junto com os outros comandantes, com bajulações e oportunismos, falcatruas e propinas, o ex-comunista, antigo ardoroso das melancolias socialistas de Karl Marx, agora vivia bem.


O poder é bom! O poder traz dinheiro! O poder cria novos ricos. Tira a riqueza dos que nele não estão e não souberam fazer seu futuro.


A única luta, o único esforço que deve sempre exercitar a rotina dos ex-pobres, é defender sua ideologia. Devem mentir que age em prol de todos, que sofrem com o sofrimento alheio, que estão em uma batalha terrível, sorrir falseando um ar de pureza angelical, se compadecer com os haitianos em Brasileia, e depois vomitar em cima dos cegos toda a sua esperteza e gentileza fascistas.


O poder é bom! Transforma! Deforma o que antes era! Informa o que hoje é! Conforma a multidão ingênua que imagina que eles são iguais. Reforma a personalidade que nunca foi. Forma uma legião de inúteis e despreparados que nada sabem fazer que lamber a baba das bocas imundas.


Só isso. Tudo se resume a isso. Viver bem e querer o melhor pra si. Se nada ocorrer de errado, terão um velório bom. Ressurgindo outros iguais no futuro, quem sabe, serão vistos em mármore, lembrados e maquiados na figura de falsos heróis.

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Por Francisco Rodrigues Pedrosa     f-r-p@bol.com.br


 


 


 


 


 


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