Menu

Asas dadas aos ratos

Receba notícias do Acre gratuitamente no WhatsApp do ac24horas.​

Os vizinhos ouviram os gritos e lamentos dos três filhos de Mário que apanhavam sem piedade.


Os mais sensíveis, ouvindo os choros, se perguntavam que motivo justificaria tanta violência. Estamos no século XXI, essa forma de castigo não pode mais existir.

Publicidade

Os moderados diziam: ele que cria, ele que bata. Cada um sabe a medida do que faz.


Quem mais gostava da surra dos filhos de Mário eram os amiguinhos do bairro. Quando a sova começava, logo se espalhava a notícia para que todos se aproximassem, a fim de rir e imitar a cena de tortura paterna.


Era uma gargalhada só! Um prazer profundo, algo que realizava e satisfazia a alma deles. Uma espécie de masoquismo juvenil que aflorava, na doce sequência do chicote que seguia forte.


A mãe das crianças não dizia nada. Era uma agônica telespectadora. No fundo sabia que se fosse buscar intermediação, poderia pegar também. Mário não a tinha como uma burra completa, porque ela, depois de três ou quatro espancamentos, tinha percebido que não era sensato e interessante intervir.


– Eu quero saber quem foi que comeu o meu creme de maracujá que eu deixei na geladeira! – perguntava furioso o pai aos filhos – Não vão dizer não? “pera aí”! – Mais sova, mais revoltas dos vizinhos, mais risos dos coleguinhas. – Onde já se viu isso! De onde tiraram esse hábito feio de mexer nas coisas? Sostô vocês fazerem uma coisa dessas, sabendo que iriam apanhar.  Seus “magote de fela da puta”. Quem foi que comeu? Bora! Se não disserem logo, vão apanhar até dizer já chega.


Para quê que eu dou estudo, escola? Tão pensando que eu vou criar ladrão? Tem que corrigir enquanto é cedo. São essas pequenas coisas que, se não forem corrigidas, trarão males futuros. Quem foi que comeu o creme? Maria, vai ali no quintal e me traz uma pernamanca… eu vou logo matar esses merdas. Antes morto do que fazendo coisa errada por ai.


– Fui eu pai. – disse André, o filho mais velho. – eu estava com fome. Quando abri a geladeira, não resisti. No início fui pegando só um pouquinho, achando que ninguém iria notar. De pouquinho em pouquinho, o creme foi indo todo. Quando percebi que não tinha como esconder, comi logo tudo e ainda lambi a vasilha.


Eles não fizeram nada. Estão apanhando porque fui covarde, tive medo de contar meu ato. A repetição do erro nos retira a dimensão do que estamos fazendo e nos cega das graves consequências que podem ocorrer. Perdão.


– Vão já para o quarto! Agora! Se não bato de novo. Fora daqui!


Vendo o estado mental em que se encontrava o marido, Maria habilidosamente utilizou o repertório de carícias que possuía para essas horas. No quarto, tempos depois, ele lhe perguntava se tinha agido certo com os meninos. Temendo ressuscitar possíveis cóleras guardadas, a esposa apenas disse que um dia eles perceberão os cuidado e o zelo do pai.

Publicidade

No outro dia. Na repartição onde trabalhava, Mário atende uma ligação importante;


– Fala Autoridade. Como é que é, essa andorinha não vai voar não?


– Mário ela tá juntando as penas. Tá complicado o salto.


– Como é que é? Porra, vocês tão brincando com a gente.  Vocês tão na malha negra, tem mais de cem mil de multas e eu tô querendo limpar vocês por dez panquecas. Olha, não vou conseguir conter o rio mais não. O negócio vai pipocar.


– Mário, eu sei da ajuda de vocês. “Me dá” mais uns três dias! E eu faço essa andorinha voar.


– Amanhã! Só amanhã. Passo dez horas aí para beber um suco. Sem ração para pássaro, eu fecho a gaiola e deixo pipocar os cem mil. Vocês escolhem!


– Tá bom Mário eu já entendi! Vou reunir o que você tá me pedindo. Passa aqui amanha.


NO OUTRO DIA NA EMPRESA


– Toma Mário! Aqui estão os dez mil reais pela operação.


CHEGA A POLÍCIA DE SURPRESA


– O senhor tá preso! Mão na cabeça, encosta ali.


– Como é senhor! O que é que tá acontecendo?


– Mão na cabeça porra! Caiu, caiu, a casa caiu porra! “Se vira, se vira”… cara na parede.


– Mas… eu.


– Cala a boca porra! Barato fechado! Melou, seu corrupto de merda.


– Deve haver algum engano! Vocês têm certeza… tão me levando pra onde? Ei, você tá me machucando! Tão me levando pra onde?


– Para a casa dos males futuros.


NO JULGAMENTO


– Sua vez, o que tem a dizer da acusação feita pelo Ministério Público?


– Excelência, sou inocente! Isso tudo que fizeram foi uma armação para acabar com minha reputação e ferir a minha honra. Tenho família. Sou um homem de bem. Não fiz nada, nunca fiz nada de errado. Trabalho há vinte anos como fiscal de obra. Nunca fiz nenhum ato que pudesse prejudicar o erário público. Nunca subornei ninguém. Tenho minha consciência tranquila.  Sou inocente excelência. Sempre fui inocente.


NA PENITENCIÁRIA ESPERANDO A SENTENÇA DO JUIZ


– Até que fim você aceitou minha visita! Meu amor, eu trouxe creme de maracujá para você. Come, relaxa, nosso advogado vai provar sua inocência. Foi o André que fez. Nesses três anos que você esteve preso, muita coisa mudou. Nossos filhos estão maiores, já aprenderam a fazer tudo.


– Foi o André que fez?


– Foi.


– Diga pra ele que a partir de hoje, ele não é mais meu filho, nem mora mais na minha casa. Expulse-o. Se discordar, vá com ele.


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA     f-r-p@bol.com.br


 


 


 


INSCREVER-SE

Quero receber por e-mail as últimas notícias mais importantes do ac24horas.com.

* Campo requerido