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Confissões de um impostor no Hospital de Saúde – OSMAC

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– Qual seu nome?


– Sou o psiquiatra Garcia Marques. Mas quem faz as perguntas aqui sou eu. Aparentemente, o doente aqui é você. Por que acha que é Deus?

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– Qual seu nome?


– Não quer falar. Muito bem. Contenta-se em repetir minha pergunta inicial. Sou o psiquiatra Garcia Marques. Sabia que desse modo não poderei ajudá-lo. Vamos senhor! Sou seu amigo. Vamos interagir. Discordo desse modelo isolacionista, onde confinam as pessoas para melhor controlá-las. Como foi seu dia hoje? Está cansado? Percebeu como fez calor?


– Qual seu nome?


– Sou o psiquiatra Garcia Marques. Preciso que coopere. Sei que você não é louco… está aqui por um mero equívoco … e que nós dois poderemos resolver, não é mesmo?


Fuma? Quer um cigarro? Tudo bem! Olhe… quero que volte a ter uma vida normal.  Abrirei a janela… veja! A vida corre lá fora. Pessoas seguem seu curso natural… é a sua vez. Gostava de seu pai, de sua mãe? Eles se sentiam superiores a você? Não lhe davam chance de errar? Fale-me! Talvez estejam aí as razões de nosso encontro.


– Qual seu nome?


– Sou o psiquiatra Garcia Marques. Quando descobriu que era Deus? Na sua infância, havia muitas pessoas ao seu redor? Você possuía muitos amigos? Ou se escondeu em livros? Soube que você tinha muitas obras de escritores clássicos. É verdade o que dizem, além deles, você colecionava contos de pornografia? Também soube de outra coisa. É verdade que perdia várias horas do dia a controlar formigas no jardim?  Por que não olhava para as rosas? A beleza é algo que só os homens percebem. Por isso a constroem.


– Qual seu nome?


– Sou o psiquiatra Garcia Marques. Confesso que sobre essas perguntas que lhe faço, gostaria muito de estar em seu lugar. Tenho inveja de você! Santa inveja! Doce inveja! Escute.


Cresci em um lar de pais que lutaram a vida inteira para fingir um matrimônio. Nunca conseguiram ser se quer amigos. O ódio recíproco fizeram dos filhos estranhos seres. Isolados em uma casa de um casal aparente, crescemos sem saber ao certo a quem recriminar.


Metódicos e religiosos por utilidade, viam na figura de Deus um empreiteiro que paga de acordo com o trabalho realizado. O céu, segundo eles, era para quem possuía dinheiro no coração. Dois sócios que desejavam a morte.  Sabíamos que isso não duraria. Aceitamos o teatro, como o rei que se curva para dominar.


Minha irmã, Aline, depois de várias doenças e esquizofrenias agudas e forçadas, cometeu suicídio na véspera de seu casamento. Desistiu da vida, ao imaginar que algo sugeria seguir da mesma forma que nossa mãe. Deixou-me de presente um abraço e uma recordação horas antes de sua partida do dia em que, sozinhos, tivemos a coragem de correr na chuva pela vizinhança e termos o prazer das gargalhadas, ao ver um ou outro vacilar no solo escorregadio.


 Ela imitava minha mãe, com seus traumas e confusões; eu imitava meu pai. Fiz bigode com a lama que pisava; e ela usou a chuva para fingir as lágrimas de nossa genitora.

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Quanto a mim, tive uma adolescência de frustrações e carências. Não me refiro às coisas materiais. Eu tinha tudo. Se isso for uma virtude, meu pai a tinha. Avarento por natureza, regrado aos bons negócios, nunca deixou nada faltar que pudesse se traduzir em domínio físico. Privou-me do afeto, amor e carinho. Deu-me tudo mais o resto. Eu preferia o primeiro.


Minha carreira de estudante foi controlada por eles. Não me deixaram seguir outra coisa. Era a vontade deles que eu fosse médico. Talvez para que um dia explicasse por que minha doce querida irmã renunciou a vida. Pergunta bem estúpida. Às vezes sinto vontade de morrer. Eles tinham mais condições de respondê-la, já que por mais de trinta anos tinham renunciado a deles. Como se eu fosse rato de laboratório, quiseram que eu renunciasse a minha. Eu queria ser artista, fazer o palco chorar minha interpretação!


Viu como fui submetido à sempre responder as coisas? Pressionado a ser quem não queria? Agora, diga-me! O que sente ao deitar? Antes de dormir algo lhe incomoda? Tem algum fato que marcou sua vida que é lembrado por você? Pense um pouco!


– Qual seu nome?


Sou o psiquiatra Garcia Marques.


NA RECEPÇÃO.


-Doutor, o senhor acha que ele tem cura?


– A cura é um termo muito relativo. A medicina moderna já provou que raras são as doenças que não permitem a socialização do sujeito. Os remédios, o carinho da família e a aparente desconsideração de que ele não é normal podem ajudar mais que qualquer coisa. Não creio que esse hospital deve mantê-lo mais tempo.


– Doutor, o senhor nos conforta muito. Preparamos o quarto dele, arrumamos os brinquedos que nunca abandonou e fizemos doces para que ele possa se sentir bem em nosso lar mais uma vez.


Ah! Mudamos nossa residência. Fomos morar no Conjunto Solar. Agora temos portas mais largas de madeira e um vasto jardim para que ele possa se sentir melhor em meio à natureza.


– Isso é importante! Os remédios podem amenizar os dramas, mas esses gestos afetivos podem evitar o uso deles.


– Obrigado doutor, não sabemos como agradecê-lo. A mãe dele me aguarda no carro, devemos ir. Temos sérias dúvidas se o dinheiro conseguiria pagar sua contribuição nesse caso.


– O médico deve sempre salvar vidas. Mas… uma coisa me intrigou: desde quando ele acha que é esse tal psiquiatra chamado Garcia Marques. Quem é esse homem? Quando eu lhe perguntava quem era, repetiu toda a entrevista e só consegui tirar algo dele, após ouvir várias vezes que ele era esse senhor.


Vendo os inúmeros ajudantes que cercavam a cena, a prima do paciente disse:


– Doutor, não nos sentimos bem nesse ambiente para tratar de matéria tão delicada. Podemos lhe assegurar que sempre fomos adeptos dos bons costumes, da tradição e das coisas que obedeçam à ordem natural. Somos uma família feliz! Essa é a ordem da natureza. Tenha um bom dia, senhor. Estamos indo para casa.


O DOUTOR À NOITE EM CASA.


– Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? Qual seu nome? …


UMA LIGAÇÃO PARA O OSMAC


– Por favor! A senhora poderia chamar um médico? Meu marido não está bem. Chegou estranho do hospital; e quem sempre buscou a cura, agora precisa dela. Tenho medo dele. Não quer entrar, e diz que a beleza quem constrói são as formigas.


Por favor, venham rápido. Já perdi minha doce criança, Aline, na véspera do casamento dela e, hoje, tenho um filho aí. Não quero ficar só.


– Mantenha a calma, senhora! Não contrarie a vontade dele. Já contatamos as autoridades no assunto. O senhor Garcia Marques já está a caminho.


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA      f-r-p@bol.com.br


 


 


 


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