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A Pílula do Dia Seguinte

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Já perceberam que muitas vezes esperamos que as palavras possam fazer o que nossa prática não é capaz de realizar? A sociedade pede uma pessoa fática e articulosa, cheio de proparoxítonas e acentos. O cinismo é algo tão natural que o praticamos todos os dias sem nem mesmo se dar conta dele.


A falsa amizade com o vendedor que nos empurra as contas do fim de mês, o bom dia que damos a quem nunca existiu em nossa vida, os nomes com os quais nos apresentamos nas salas de bate papos, o carro novo que nos faz visitar o arroz com ovo. Enfim são muitas as formas de não sermos nós mesmos. Presos a esse dilema, preferimos mostrar o que precisamos ser, a revelar nossas fragilidades do que realmente somos.

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É moda no Brasil, tentar demonstrar certo respeito a quem trabalha de empregado (a) doméstico, mudando a terminologia do termo que lhe define. Empregada doméstica não, secretária do lar! Diz a pessoa, vaidosa com a nova expressão, como se a mudança de palavra pudesse se traduzir em uma mudança financeira.


Cambiados os nomes, a empregada ou a secretária pode contar as moedas e as dívidas e verá que nada foi alterado.  Sou testemunha de que em alguns casos os que preferem o segundo termo são verdadeiros carrascos para com aqueles que lhes varrem a área, tiram manchas de suas roupas e limpam os estragos dos seus cães feitos à noite.


Era o primeiro dia de Judite no novo emprego. Chegara antes das seis. Tivera uma longa conversa com Dona Aldenira sobre as tarefas que deveria efetuar. Tirando o quarto do filho que ainda dormia, mostrou-lhe toda a casa e recomendou-lhe que não pusesse o lixo na rua nos dias em que o caminhão não passasse. Havia muitos cachorros por ali.


Judite recebeu as chaves da casa, combinaram o preço do serviço, eliminaram os possíveis pormenores e ficou acertado que aos domingos a moça só trabalharia caso fosse extremamente necessário. Antes de sair para o trabalho, a proprietária da casa ainda teve tempo de orientar sua empregada a não tolerar abusos do filho e de lhe comunicar qualquer empecilho.


Quando acordou, lá pelas onze da manhã, Eduardo viu que havia gente estranha. Pela pressa com que dançavam as roupas e a vassoura, balbuciando canções desconhecidas, não demorou para entender que aquela pessoa era a mais nova serviçal. Analisou ser perfil, tentou acompanhar o corpo que se movimentava rapidamente e concluiu que a figura merecia suas investidas de conquistador.


É prática de pessoas dessa idade e perfil imaginarem que a submissão profissional se estende a servidão sexual. Como se fosse dever da empregada atentar aos inúmeros deveres do lar, e ter tempo de satisfazer as taras de um espirito juvenil.


Eduardo fez de tudo para abater aquela aparente presa. Mesmo sabendo que a moça era casada, passou a agir descaradamente na presença dela. Vestia-se inadequadamente, insinuava-se com perguntas maliciosas, incorporou o mais gentil dos homens e, quando viu que nada dava certo, partiu para o ataque de peito aberto.


De Judite ouvia sempre um não, não posso, sou casada, me respeite. As sucessivas tentativas foram enfraquecendo o repertório de Eduardo. Após alguns meses, ele percebeu que aquela mulher era barreira intransponível. Não havia como dobrá-la, sua retidão e seu respeito ao seu casamento era algo que lhe valia mais que a própria vida.


Desistiu! Aceitou a decisão dela e teve mesmo até respeito por alguém assim. Sonhou em ter uma mulher desse feitio. Em mundo onde os valores morais se confundem com valores financeiros, mulher com aquela postura e característica deveria ser preservada e admirada.


Num certo domingo, Judite teve de ir ao ofício. Dona Aldenira estava participando de um encontro religioso em uma chácara nos arredores de um município vizinho.

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Como só voltaria na próxima semana, e sabendo que o filho não era lá muito adepto a limpeza e a organização, pediu à empregada que fosse nesse dia. Era seu último pedido antes de conceder-lhe merecidas férias.


Sabendo que passaria um mês inteiro sem vê-la, Eduardo tentou mais uma vez conquistar e levar para cama aquela mulher que lhe dava frio nas pernas, saliva nos olhos e leve vontade de morder os lábios inferiores da boca.


Mais uma vez o fracasso! Judite resistiu aos encantos do rapaz e disse que se ele não mudasse seu comportamento faria uma coisa que sempre tentou evitar: contar para a mãe dele suas presepadas carnais. Eduardo, sabendo da possibilidade do vexame, desapontado, retirou-se para seu quarto, onde esperou o vulcão se acalmar. Agiu sozinho!


Na quarta feira da semana seguinte, Judite aparece na casa de Dona Aldenira antes das oito. Perguntada sobre as razões de ali estar, o moça, sem demonstrar interesse em muita conversa, com um mão calou a voz de Eduardo e com a outra o conduziu a seu quarto onde mostrou tudo o que ele queria há tempos. Deu-lhe seu cheiro, suas perícias e habilidades e fez nele o que nenhuma mulher tinha feito.


Nas férias, Judite pode ir mais vezes visitar o marido preso na penal por portar meio quilo de entorpecente. Foi mais fácil ficar sabendo que o homem que ela amava, e que era motivo de todas as suas renúncias, recebia antigas namoradas durante a semana.


Para Eduardo uma experiência única na vida. Foi um mês que ele nunca esqueceu. Cada encontro, uma novidade, cada toque, uma surpresa, cada beijo, um suspiro ofegante e uma dominação traduzida em gemidos e satisfação.


Para Judite nada que lhe acrescentasse algo. Um simples gesto, pois as coisas que valiam mais que a sua própria vida tinham sido destruídas.


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA     f-r-p@bol.com.br


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