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Gatinhos, Gatos e Gatões

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Era precisamente 10 horas da manhã. Joaquim tinha acabado de receber sua motocicleta, financiada em 60 meses em suaves parcelas. Nem placa tinha. Aos olhos do proprietário, aquela condução que brilhava mais que diamante africano, era todo um sonho de vida que começava a se materializar.


O ano de 2012 seria bom. Terminou o Ensino Médio, num desses programas do MEC que exigem apenas a presença do aluno em sala de aula, a mãe financiou o curso de vigilante e tinha acabado de deixar os papeis na firma que lhe possibilitou o novo emprego.

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Destaque no curso de formação, Joaquim não demorou nem oito meses para ser chamado por uma dessas empresas de vigilância privada. Iria garantir a segurança em um órgão do governo responsável por pesquisas de sementes nativas da Amazônia.


Feliz e realizado, percebeu que precisava comprar alguns materiais que melhor lhe apresentasse. De alguma forma era um homem da lei. Tinha de cuidar do visual e aparentar preparo. Era por isso que estava naquela loja de equipamento militar.


– Filha, atende esse rapaz. Mostra para ele as novidades que chegaram. – Ordenou o dono da loja, percebendo o entusiasmo do novo cliente.


-Sim papai! Por favor, por aqui. O que o senhor deseja mesmo? Indagou a filha, fingindo certa preocupação com o comprador.


– É que serei vigilante. Preciso adquirir alguns equipamentos para me ajudar no trabalho. Sabe como é né! Temos de estar sempre prontos para defender e garantir a ordem. – Respondeu Joaquim, cheio de si. Peito estufado, parecendo que declarava o poema “Guerra” de Cecília Meireles. Com certo charme no falar e no andar, se convencia que estava emocionando a filha do dono da loja.


Enquanto viam os modelos e as utilidades, chega à loja um policial militar. Não! Um policial militar não! Um super policial militar. Seu traje era fenomenal. Cheio de trecos e pretecos, além de recos e quelequetecos que influenciam bastante no pleco do remeleleco.


Se já não fosse comum aqui em Rio Branco esse tipo de coisa, poderíamos imaginar que estávamos em plena Islamabad, no Paquistão, na casa de Osama Bin Laden, sendo atacados por forças especiais dos EUA.


Mas não sejamos tão crítico com o rapaz!


E. Santiago estava adequado à situação. Tinha motivos de sobra para se trajar assim como astronauta da NASA. Precisava ver os planos da casa própria na imobiliária e pagar a prestação vencida do celular, recebida apenas no caixa do banco. Somente essas duas situações de alta periculosidade justificaria a aparência de um soldado tipo marine americano.


Ao encontrar o dono da loja, cumprimentou-o e disse que iria conferir as novidades. Quando viu aquela moça belíssima disse:


-Vendedora nova, seu Rubens? O senhor escolhe a dedo hein! – sorriu cinicamente o policial militar, demonstrando uma intimidade de quem sempre visitou a mercância.


– Não, não! É minha filha. Chegou recente do Rio de Janeiro. Não vai mais morar com a mãe dela. Vai passar uns anos comigo.


– Positivo e operante! Vou olhar a novidades. Disse E. Santiago, imaginando ser preciso usar o “uso progressivo da roupa”.

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Vendo-a atendendo um cliente e, ouvindo várias vezes ele dizer que seria vigilante, o policial num gesto de puro “exibimento”, teimou em ficar passando pelos dois a todo instante, sacudindo a poeira da farda que não existia, arrumando o que não estava em desordem e lamentando profundamente não estar com o rádio transmissor. Seria importante para sua imagem, a plateia ouvi-lo interagir com os outros policiais em códigos de letras e jargões “quartelescos”.


Joaquim se sentiu inferior e até parou de galantear a filha de Rubens. Vendo aquele vulto preto cheio de coisas que ele nunca tinha visto, imaginou que até granada e pistola “desintegradora” a lazer, capaz de destruir todo o mal da Terra, poderia estar com aquele policial. Ficou sem jeito. Sentiu-se menor. Muito menor.


Nem bem E. Santiago mostrava todo seu esplendor, surge na loja um policial federal, camisa preta, bonito, forte, óculos escuros e um olhar de superioridade tão grande que vigilante e policial fundaram uma sociedade, para compartilhar a síndrome de inferioridade.


Com um sotaque forte, arrastando todos os “x” do mundo, modelando com vogais longas, logo ficou claro para os presentes que o federal tinha conhecimento do Leblon, da Guanabara e de Copacabana: era um autêntico carioca.


– Senhora extou precisando ver umax coisax pra uma irmããã dum amigo meu. Gente boa! Sonha em ser polícia. Como só tem o ensino médio, passou no concurso para a polícia civil. É um bom começo, um aprendizado. Depoix que formar, teeer curso superiooor vai poder seeer policial de verdade, e ganhar bem. Exxpero ela na policia federal. Quero daar um presente pra ela. Sei que é pouca merda ser dessax policinhax, mas pra ela, inicialmente, é importante. Valeu? Qué que cê me dixx? – Perguntou o moço da terra de Xico Buarque.


– Senhor, ali temos uma seção só para artigo feminino. Quer que eu o acompanhe? Poderia esperar apenas um minutinho? – Respondeu Priscila, dando atenção ainda ao vigilante.


– Não, não. Posso ir lá! Extou de folga hoje. Sai ontem de uma missão nax fronteirax. Recolhemos maix de cem quilox de paxta. Tô de boa. Vou lá! Valeu! – Ao dizer isso, olhando como quem dissesse à moça que ela tinha obrigação de adorá-lo, o policial federal, arrumando os óculos pretos, saiu, desfilando sozinho, soberano com sua prova de superioridade: o emblema da corporação no peito, estampada na camisa única e singular.


Pelas voltas do mundo, não demorou nem muito para chegar uma pessoa que iria destruir o profissionalismo da filha do dono da loja. Era um rapaz desfeito a muito pano, bermuda multicolorida, cabelos longos e enrolados que precisavam sempre ser tirados do rosto, e uma sandália que dava a impressão de ter acabado de sair de uma praia de surf. Recebeu de Priscila um abraço, um beijo na boca e uma arrumação no cabelo carinhosa e delicada.


– Amor, comprei os ingressos para nós irmos assistir as bandas de rock alternativa que irão se apresentar nesse sábado aqui na capital.


– Jura? Ai que legal. Estava precisando de algumas doses de cultura. Quem vem tocar?


– São bandas boas. Muito boas. Vieram a “Privada Social”, “Arroto da estupidez”, “Catarro do sistema”, “Mijada na postura”, “ Tripa com anzol” e aquela que você gosta muito…


– “Cú salgado”?


-Isso!


– Nossa vai ser o bicho! Pancadão mesmo. Não posso perder isso de jeito nenhum. Pai, termina de atender o rapaz aqui, que eu vou sair com meu namorado agora para comprar uma blusa para o festival de rock.


Realizada a compra, antes de sair de lá, pensando nos fracassados adversários, o vigilante, despontando um leve sorriso, pensou consigo:


Onde será que posso comprar uns Cds de rock?


Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA    f-r-p@bol.com.br


 


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