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Os avestruzes do Acre

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Generalizando ao máximo, mas sem perder a visão das reais particularidades, diria que no Brasil há duas classes de miseráveis: os excluídos e os aproveitadores.


A primeira é resultado de um longo processo de exclusão social que perdura há mais de quinhentos anos. São sequelas de um modelo de exploração falido que se juntou aos absurdos feitos por uma elite cabocla que sempre ganhou com a desigualdade. São os filhos excluídos por um sistema imoral, cruel e cínico. Não sei quem disse uma vez que se a miséria fosse assunto sério no Brasil, já teria acabado. Não acaba, porque a própria lógica da sociedade montada flerta com a incapacidade de ascensão e melhorias de boa parte dos brasileiros.

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A segunda, a dos aproveitadores, é decorrência tumultuada da primeira, mas que com o tempo ganhou pernas próprias para se movimentar. Não para sair dessa situação, mas para criar mecanismos que os imobilizassem nos mesmos lugares. São, nas palavras de Cazuza, “as pessoas fracas que estão no mundo e perderam a viagem”.


A estes últimos montou-se um espetáculo de filantropia “barata” que os estimula a engessar as mãos, petrificar a piedade na cara e sustentar as saudações religiosas, observadas nas esmolas a nos pacotes e bolsas assistencialistas do governo.


A legitimação da mendicância ajuda a comprovar ainda mais que temos um país perverso, mas caridoso, injusto, mas de coração mole, que inverte a sequência correta de correição social, privilegiando a altruísmo deslavado e inútil: são os que têm que devem se esforçar, com esmolas, para que os que não têm nunca possam ter realmente.


A ordem é: fique na sua pobreza, junte sua falta de coragem e espere que eu possa sustentar sua calçada, sua esquina suja e sua desmotivação. Você é importante pra mim. Afinal sem minhas boas obras, como eu irei para o céu. Oh céus!


Certa vez assistia a um desses programas regionais de televisão e deparei-me com uma cena estranha, macabra, cheia de premonições e que retrata bem o festival da miséria fácil que se instalou no país.


A matéria era um apelo para que fossem feitas doações para uma senhora que corria pelos “50”, mais ou menos, e que, segundo o apresentador, necessitava da ajuda cristã dos acrianos. A bondade não era especifica, poderia ser qualquer coisa, qualquer produto ou dinheiro, pois a música de fundo da matéria, misturada com as perguntas óbvias do repórter, dava a dramaticidade necessária para que corações se comovessem.


Aos mais dinâmicos, aos bondosos sem tempo a perder, aos mais práticos ou criativos, havia uma novidade: a miserável tinha um celular com três chips, para que o piedoso pudesse gastar apenas seus bônus, já que telefonia móvel no Brasil é, antes de mais nada, um crime financeiro contra nossos bolsos. Ainda estamos no clube dos que possuem uma das maiores tarifas de celular do planeta. Sem que isso represente um dos melhores serviços existente por esse mundo.


Claro que isso é um absurdo, pois só temos tempo de dizer um oi, já que nossas moedas, gastando nossos créditos, caem dos nossos bolsos, fazendo tim, tim, tim. Comprovadamente , precisamos ser mais vivos.


Um rapaz que acompanhava a equipe de reportagem, vizinho meu, gente de boa qualidade, confessou para nós, depois de dois copos gelados, que a mulher tinha até mesmo dois cachorros para criar e tinha perguntado ao repórter se cairia bem ela pedir, aproveitando o choro, ração para os seus “filhotes”.


Há exceções! Eu sei! “Por favor, não saque a arma no salão, eu sou apenas o cantor”. Quem arca com tudo isso somos nós. Não estou inventando, nem descobrindo a pólvora. Isso já foi dito e estudado. De um lado os ricos que sufocam e esganam os pobres, e se mantem acima de tudo e de todos eternamente. Do outro lado o governo que, para aliviar os dissabores dos miseráveis, suga covardemente o pobre por meio de seu punhal tributário.


Punhal burro que exige dos que tem e dos que tem pouco a mesma quantia de imposto no quilo de arroz ou na carne. Qualquer mudança econômica, qualquer tentativa de achar culpado, qualquer novidade financeira e lá vem a paulada nessa classe que fica entre a cruz e a espada, motivada a cair de vez no grupo que sustenta com muita dificuldade.


Aos ricos e poderosos a mágica alquimia: qualquer toque em suas algibeiras são automaticamente repassadas à classe mais abaixo. Nunca suportam o fardo. Podem fingir, demonstrar pesar, mas o ônus dessa engrenagem é do pobre. O pobre que tem pouco.


Que raiva!

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Sempre tenho esse sentimento, quando não sei o que fazer, ou melhor, quando sei de minhas incapacidades. Mas vamos vivendo! Suplicando a piedade da fera que nos aprecia faminta. Nessa caricatura de mundo, nessa jaula de portas abertas e correntes no pescoço, vamos seguindo, ofertando nossos próprios braços e pernas.


FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA   f-r-p@bol.com.br


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