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Existe Tempo Para Perdoar?

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Rodou três vezes antes de esbarrar num paredão de barro depois da curva do Tucumã. Um enorme caminhão embriagado tinha tentado uma ultrapassagem perigosa e, se não fosse a destreza de Helena, tinha colidido em cheio. Ao contrário do que se diz por ai, essa mulher soube manusear corretamente seu carro, preferindo o capim denso e laminado, ao caminhão carregado de produtos químicos.


Com o veículo virado, amassado, vidros quebrados, muito sangue e quase inconsciente, Helena ainda teve tempo de ligar para seu noivo e dizer-lhe três frases: “me acidentei aqui depois da Curva do Tucumã. “Tô” muito mal. Vem logo!

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Eram três da manhã! A festa tinha acabado! O evento em que eles estavam mostrou-se maravilhoso. Celebravam vinte anos de casamento dos queridos pais. Seu Mesquita e Dona Evelina eram provas suficientes de uma família feliz que faziam de tudo para ter a alegria e a admiração dos seus descendentes.


Ninguém nunca entenderá o amor que os pais sentem pelos filhos. É algo que extrapola a compreensão humana, avança os limites da racionalidade, sobressaem ao senso do que é certo ou errado. Por uma cria sua, pai e mãe fazem tudo. Tudo.


Depois da celebração, contrariando o amado noivo, que queria que ela dormisse em Rio Branco, a moça teve de voltar para o Quinari, pois tinha de estar com seu pai às seis da manhã.


Os genitores já tinham se retirado antes das onze, deixando aos mais jovens os “agitos” do sábado à noite.  Se há um povo que não sabe o que é dormir e acordar tarde é fazendeiro: ele precisava fazer umas vistorias em seu patrimônio bovino no Km 75 da Ac 40, estrada estreita, verde cinza e sem sabor que nos leva à esquecida Plácido de Castro.


No caminho para o local do sinistro, Marcos se lembrava de cenas terríveis de acidentes de carro: corpos sem cabeça, sem braços, abdômen esmagados, rostos deformados e tantas outras imagens que ele tinha, certa vez, acessado em um desses sites do gênero.


Como forma de ir se preparando para o pior, desenhava, com sua imaginação fértil e descontrolada, o rosto da noiva terminante em um caixão preto fechado. Alucinado e querendo chegar logo, nem percebia que naquela velocidade, seus pensamentos poderiam servir para ele próprio, materializar-se em outro acidente.


Não demorou mais que 15 minutos para chegar, jogou sua moto no chão e, por mais que a escuridão e a forte chuva atrapalhasse a visão, conseguiu ver fracas luzes de uma lanterna traseira que misteriosamente já começava a reunir insetos ao redor.


Correu desesperadamente rumo ao que havia restado de um veículo. A pressa e o nervosismo fez com que ele nem se lembrasse de trazer uma lanterna ou algo que lhe garantisse melhor visibilidade. Ouvindo gemidos agonizantes da amada, não soube o que fazer, pois a porta era um só conjunto com o resto da sucata: estava presa e parecia que invadia as carnes da perna esquerda dela.


Marcos fez força, fez força, mas não adiantava: a porta não abria. Suas mãos aflitas buscando responder ao seu nervosismo, não lhe davam condições de saber de onde vinha mais sangue. Na chuva densa, na lama que soprava em seus pés, no rosto e braços já riscados pela lata do carro, Marcos não se conteve: chorou um choro amargo e profundo, vindo de um coração tão angustiado que não precisaria romper a chuva para perceber que o temporal continuava.


– O senhor precisa agir! Vamos! Logo! Tome essa lanterna! Veja que parte do corpo dela está sob a ferragem. Precisamos tirá-la daqui.

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– Quem é a senhora?


– Isso não importa agora! Vamos! Ela vai morrer, se não fizermos nada. A vida é a coisa mais importante.


– Sim, sim, sim! Nossa! O cinto está “apertando ela”! Está presa! Suas pernas estão sendo esmagadas pela lataria. O que faremos? Não temos ferramentas, não temos nada! O socorro vai demorar! Droga! Não trouxe o celular! Ai meu Deus! Aonde você vai?


– No meu carro há algumas coisas que podem ajudar. Vou buscá-las. Eu e o meu marido saímos às pressas de casa para ir ao hospital. Meu filho está com uma febre muito alta. Tenho medo de perdê-lo, mas o seu caso é mais grave. Deus me ajude! Meu filho é tudo, mas temos de salvar sua noiva. Agora sim, Helena corre perigo.


Com muito esforço e determinação, os equipamentos trazidos possibilitaram a retirada da vítima. Demonstrando enorme cuidado e perícia, a mulher conduziu o corpo frágil de Helena até seu veículo e, afastando o seu filho doente que convulsionava de febre, conseguiu chegar até o centro médico mais próximo: o Hospital Geral Dr. Ary Rodrigues do aparentemente pacato município de senador Guiomard.


Vinte minutos depois, molhado e desorientado com tudo o que acontecia, Marcos chega ao hospital e recebe a feliz notícia de que sua noiva respirava cuidados, mas que seria submetida a uma cirurgia urgente para retirada de resíduos do seu corpo. Iria sobreviver. A resposta ao acidente tinha sido rápida.


Momentos mais tarde, estavam todos agradecendo a “deus” pelo milagre e pela grande demonstração de sua misericórdia para com eles. Helena iria continuar viva.


Segundo o médico de plantão, a mulher que tinha trazido a acidentada não conseguiu salvar o filho. A forte febre o tinha levado. Para o doutor, parecia estranha aquela cena: a mãe estava mais alegre com a vida da vítima do que triste com a morte do filho.


Quando perguntada aonde ia e o que ela era de Helena, disse apenas que ia chamar seu marido, dar-lhe a notícia da perda de sua criança e finalizou dizendo que a vida é mais importante.


– Para o carro Mesquita! Ocorreu um acidente ali.


– Nossa! É mesmo! Evelina, você consegue ver algo?


– Sim, sim! Vou até lá!


– Não! Eu vou! Espere ai. Fique aqui!


Chegando à cena do acidente, Mesquita viu uma mãe ferida, chorando pelo marido morto, meio inconsciente, tentando proteger o filho da forte chuva que caia. Aproximando mais um pouco, Mesquita perguntou:


– O que aconteceu, senhora?


– Meu filho tem convulsão! Vamos perdê-lo. Meus Deus, meu único filho. Saímos apressados da chácara, na ânsia de salvá-lo, mas infelizmente um caminhão carregado de produtos químicos invadiu a faixa em que estávamos e jogou-nos fora da pista.


Meu marido está morto. Com muita luta consegui tirar meu filho. Ele está morrendo! A febre é muita alta. Por favor, por Deus, poderia ao menos levá-lo ao hospital. Pode me deixar aqui, estou sangrando muito. Não sinto minhas pernas! Morrerei com meu esposo, eu o amo.


No carro


– Vamos embora, Evelina. O socorro já esta chegando. Eles estão bem!


– Mas por que você não os trouxe, Mesquita? Poderíamos ter ajudado.


– Não, não! Chegaremos atrasados para o aniversario de um ano de Helena.  Não podemos desapontar os convidados. Além disso, eles estão muito sujos de lama. Poderiam melar o carro, os presentes e nossa própria filha. O socorro está chegando. Eles vão ficar bem! Vamos! Temos coisas mais importantes a fazer.


Ninguém nunca entenderá o amor que os pais sentem pelos filhos. É algo que extrapola a compreensão humana, avança os limites da racionalidade, sobressaem ao senso do que é certo ou errado. Por uma cria sua, pai e mãe fazem tudo. Tudo. Inclusive…


FIM


Ótimas férias a todos.


Deus nos ilumine e nos proteja.


Que possamos nos encontrar em agosto.


Obrigado por tudo!


O meu leitor é o meu amor!


A ele devo tudo!


FRANCISCO RODRIGUES    f-r-p@bol.com.br


 


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