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Não esqueça a minha Caloi

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Sempre quando chega aluno novo, no meio do ano letivo, há aquela agitação na sala. A primeira impressão é a de que um anjo pousou em terra. Não se mistura com os outros, não diz nada e, geralmente, procura os primeiros lugares da fila.


Laila era um bom exemplo. A moça, quando chegou, no mês de abril, à escola, por conta da vinda dos pais para a capital, fez justamente como manda o roteiro. Apresentou-se aos colegas, disse de onde era e foi orientada pelo professor a pegar de alguém a matéria já trabalhada.

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Tudo normal! Porém havia um fato que chamava a atenção: Laila era bonita. Talvez a mais bonita do colégio. As moças viram-na como a mais nova inimiga, uma espécie de mal que infelizmente teria de ser tolerado.


Era preciso descobrir seus defeitos urgentemente. No banheiro feminino, várias reuniões foram realizadas pra saber se a intrusa tinha pereba nas pernas, se as celulites eram bem evidentes, se sabia usar o batom corretamente, se sabia andar de salto e se tinha todos os dentes na boca.


Os rapazes, que imaginavam portar a mesma beleza que ela, iniciaram o mais antigo jogo do ser humano: o jogo da sedução. Recadinhos, olhares, sorrisos e solicitude faziam com que Laila não se sentisse sozinha jamais. Os de menor potencial ofensivo, do ponto de vista estético, tentaram ao menos fazer o papel de amigo de todas as horas. Conformavam-se em resolver os exercícios dela ou serem os fieis consoladores, ouvintes das tramas que ela quisesse revelar. Esse era o lugar dos feios.


Um desses do segundo grupo era Júnior. Não era de se jogar fora, mas não era bonito como os rapazes que gostavam de por os cabelos sempre a par dos últimos acontecimentos da moda e se reunir no intervalo para contar o que beberam e o que fizeram no sábado passado.


Como Laila sentou-se ao lado dele, logo fizeram amizade. Passaram a fazer as lições da escola, além de ele ter-lhe fornecido a matéria faltante. Na magia dessa boa amizade que nascia, Júnior respondeu todas as perguntas dela sobre professores e alunos da sala e, como morava na mesma rua que ela, passou a trazê-la e levá-la para casa em seu automóvel: uma bicicleta Caloi preta bem cuidada.


Pela forma como conduziram o relacionamento, por andarem pertinho, por chegarem e saírem juntos, muitos já diziam que namoravam. Outros afirmavam que já tinham visto os dois se beijando na lanchonete do seu Orlando e alguns mais fofoqueiros tinham até marcado o dia do casamento.


A escola realizaria uma grande festa para comemorar o dia 2 1 de abril. Seriam efetuadas palestras, teatro, gincana sobre Tiradentes e, o que mais interessava, a diretora permitiria o uso da caixa de som da escola para os alunos dançarem, desde que não consumissem álcool.


Às seis da tarde do esperado e badalado dia, Júnior se deslocou até a casa de Laila, a fim de mostrar, mais uma vez, provas de sua gentileza. Ficou triste ao ver Laila receosa em participar do evento. Com uma frieza incomum, agradeceu o convite, disse que estava com alguns incômodos e deixou a porta da frente fazendo companhia ao decepcionado rapaz.


Junior chegou sozinho à celebração da Inconfidência Mineira. A palestra não lhe disse nada, errou todas as questões da gincana e as músicas tocadas pareciam facas pontiagudas, rasgando seus ouvidos.


Estava visivelmente triste. Tinha mandado lubrificar a bicicleta, regular os freios e eliminar as pequenas folgas existentes. Tudo para deixar Laila mais confortável no percurso. Quem sabe se ela não repetiria aquela vez em que, para não sofrer com os buracos da rua, segurou em sua cintura de uma forma que serviu para comprovar que ela estava apaixonada.

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Corria o evento sem a menor graça quando, meia hora depois, a música foi interrompida, a gincana esperou um pouco e o pátio inteiro parou para ver um carro que chegava para prestigiar a festa.


Todos ficaram boquiabertos, admirados com a nave espacial que tinha acabado de pousar: era um Uno vermelho, duas portas, sem ar condicionado, vidros e travas manuais.


Desse automóvel, que para aquelas crianças pobres, frágeis e carentes, do Bairro Preventório, se parecia com uma Ferrari Enzo ou um Bugatti Veyron Pur Sang, saiam Charles, o aluno mais badalado e “exibido” da escola, e com ele, de mãos dadas, o amor de Júnior: Laila.


Estavam bem vestidos. Ela usava um vestido azul que a prima tinha emprestado, e ele calça jeans e uma blusa preta com frases que ninguém sabia ler. Repetindo a oitava série pela terceira vez, Charles aproveitou o estado de Seu Alberto e estava ali na festa com algo que não era seu. Pouco se importando com o que iria acontecer depois, caso o embriagado pai descobrisse.


A festa foi amarga para Júnior. Uma tragédia toda vez que os dois passavam por ele. Não entendia por que a vida é dessa forma, que razões explicam uns terem mais outros menos. Qual seria o segredo do mundo? O que precisava fazer para ter uma Ferrari daquela? Em sua inocência de adolescente, duvidou da justiça de Deus.


O rapaz não teve condições de ficar até o fim da cerimonia cívica. Pegou sua bicicletinha e rumou para sua casa chorar desesperadamente. Quem sabe se essa situação não conseguiu lhe fazer entender melhor a dor física de Tiradentes do que as palestras dos professores na escola?


Sete anos mais tarde, Junior ainda lembrava-se desse episódio. Com muita frieza, também fazia as contas dos sete que ainda tinha de cumprir por tráfico de drogas.


LEI ANTIDROGAS Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006.


“Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:


Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.”


LEI ANTIBRASILEIRO Nº 01, DE 22 DE ABRIL DE 1500


“Cometer genocídio aos índios, escravizar seres humanos vindos da África, destruir culturas, esquecer os princípios éticos, instalar ditaduras militares, torturar opositores, controlar a imprensa, ser arrogante, deixar morrer nos hospitais, abandonar os carentes, fornecer péssima educação, fraudar licitações, ser corrupto, desrespeitar os idosos, ganhar pensão como ex-governador sem justa causa, vender sentenças judiciais, criar mensalão, fazer turismo com dinheiro público: Pena – de ninguém”


FRANCISCO RODRIGUES    –    f-r-p@bol.com.br


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