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De que lado você ficaria?

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Após cinco anos de namoro, Júlio não tinha mais dúvidas: Rachel era realmente seu grande amor.


Problemas? Tiveram muitos. Mas os dois souberam passar por todas as dificuldades, todos os entraves e as crises que somente quem convive a dois pode entender.

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 Não é fácil nesse mundo frio e superficial encontrar alguém que se alinhe à sua forma de ser e que se disponha a construir um sonho matrimonial baseado na verdade e na responsabilidade.


Rachel terminava o ensino médio. Havia conseguido um emprego de recepcionista em um consultório médico. Ele, já “formado”, não conseguia entrar na UFAC para estudar o que sempre amou: Medicina.


Sabendo que um casamento sugere condições financeiras, e que ninguém se imagina unir-se para sofrer mais do que já sofre sozinho, Júlio procurou emprego também e começou a juntar dinheiro para comprar as alianças do futuro enlace.


Faria uma grande surpresa a ela. No seu aniversário, diria a mulher da sua vida que desejaria ser seu companheiro, uma preparação em palavras para, mais tarde, ser, na prática, seu homem.


Inteligente como todas as mulheres, Rachel também iniciou seus planos. Guardaria suas economias para que pudesse ajudar nas compras das coisas do vindouro lar. Era uma forma de mostrar pra ele que não seria aquela mulher totalmente dependente, esperando que o marido fizesse tudo para o que os dois almejavam.


Não comprou mais roupas sem necessidade, suportou as tentações de sapatos novos na vitrine, não saiu com as amigas para festas, reduziu as visitas ao cabeleireiro e fez tudo o mais que pudesse para crescer sua pequena “renda”, guardada em uma poupança no Banco do Brasil.


Ele fez igual. Nada de comprar besteiras, nada de moto nova, nada de roupas caras nas boutiques, nada de faturas de cartão de crédito alta, nada que comprometesse o seu sonho. Afinal, sabia que além das alianças precisava também juntar recursos.


Era um par perfeito! Havia respeito entre ambos. Sabiam dar valor as provas recíprocas de um amor verdadeiro e real que se misturava aos esforços duros que enfrentavam. Comprovadamente, Júlio amava Rachel e vice-versa, quantas vezes quisessem.


Mesmo com toda a abstinência, o tempo gasto com o trabalho, os sacrifícios da batalha, o amor dos dois aumentava cada dia mais. Sempre se encontravam. Nas demoradas conversas, compartilhavam os desafios, diziam acerca dos sonhos e, apertando as mãos por longos períodos, sempre se beijavam no final.


Talvez isso seja a maior prova de que duas pessoas se querem. Todos os fracassos amorosos se iniciam com a renúncia desse milenar ato afetivo: beijar a boca.

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Após três anos, e lá já si iam oito anos, depois de contarem várias vezes as suas economias, os dois perceberam que tinham reunido recursos suficientes para montarem suas vidas. O tão esperado sonho havia chegado. O dinheiro dele compraria as alianças, móveis e serviria para pagar um ano de apartamento onde morariam. O dela compraria as louças, pratos, os móveis que o dinheiro dele não alcançasse e o restante do básico, comum a qualquer casal.


Saindo do banco, estavam nervosos. Inexperientes, nunca estiveram com tanto dinheiro assim. Atentos a tudo e desconfiando de todos, tinham decididos ir até uma loja, a fim de comprarem à vista todos os moveis orçados. Sairia muito mais barato! Fugiriam de um capeta chamado juros.


 De lá iriam até a imobiliária fazer o contrato de locação do imóvel onde morariam e terminariam o dia nessas lojinhas amantes de “alguma coisa com noventa e nove centavos” que vendem bugigangas para o lar.


Na loja, ao se sentarem com o educado e feliz vendedor, presenciaram o que jamais imaginariam. Um sujeito encapuzado com um enorme “ferro” na mão gritava bem alto que aquilo era um assalto. Dois outros, também fortemente armados, ficaram na porta do comércio, como seguranças, para evitar qualquer perigosa novidade.


Todo o apurado do dia da loja de eletrodoméstico fora levado. Como que soubesse os segredos dessa arte tão deplorável, percebendo o incomum nervosismo do futuro casal, foi fácil para o assaltante saber que eles tinham algo a mais que o mero desejo de pesquisar preços.


Perderam tudo também. Quando a polícia chegou, estavam num sofá da amostra, chorando amargamente o roubo sofrido. Era uma dor muito forte, aumentada por perguntas que os dois faziam a todo o momento.


Júlio, tentando se mostrar mais calmo que Rachel, disse a ela que, por mais que tivessem passado por algo tão terrível, o amor dos dois poderia repetir todos os passos até então seguidos. Poderiam juntar de novo, por que não? Qual o sonho que não se pode realizar, quando se tem coragem, perseverança e força? A vida iria continuar. O amor dos dois também.


Essas palavras de otimismo, talvez por fazê-la lembrar de tudo que sofreu, traziam mais lágrimas a Rachel, mais pranto e mais aperto no coração dela. Era melhor ficar calado. Era melhor deixá-la sentir desesperadamente o drama de uma grande perda.


Em casa, o assaltante, com lágrimas nos olhos, feliz e aliviado por tudo ter dado certo, diz para a mulher, após um longo abraço:


– Meu amor, amanhã vamos comprar nossas passagens para Goiânia. Urgente! Prepare nossas coisas! Não temos tempo a perder.


– Sim meu amor. Nossa como estou feliz. Você é tudo que temos.


Os dois tinham uma criança de oito meses, portadora de uma doença rara conhecida como hérnia diafragmática. Os médicos locais já tinham avisado que se não fosse pra Goiânia ou outro centro mais desenvolvido, iriam perder o filho.


O TFD era uma chance em um bilhão. Fazia mais de cinco meses que tinham solicitado a viagem. Cada vez que buscavam informações sobre seu angustiante caso, por serem carentes, só recebia insultos e indelicadezas dos servidores que pareciam servir a bichos enjaulados.


Foi a melhor noite do casal. Dormiram aliviados e felizes. Poderiam salvar o filho e recomeçar suas vidas.


Naquele avião confortável rumo a Goiânia, após a pergunta da belíssima aeromoça, se ele queria água, café ou suco. O pai do filho com a doença rara parou um instante. Ficou congelado em profundos pensamentos, pondo a palma da mão sobre a testa.


– O que foi meu amor? – perguntou a esposa.


– Nada. Apenas fiquei pensando como é bom ter opções.


FRANCISCO RODRIGUES   –       f-r-p@bol.com.br


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