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Beleza que se põe na mesa

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A nova estagiária do setor era um espetáculo. Um vento forte que balançou as intenções e o modo de todos os homens daquele local de trabalho. Do responsável pela limpeza, passando pelos servidores e pelos gerentes de coisa nenhuma, pelos cargos comissionados e função gratificada, até chegar ao chefe da repartição, todos tiveram sonhos e fantasias com aquela bela figura.


As mulheres não agiram de outra forma! Não há nada no mundo mais preciso e cirúrgico que um olhar feminino. As que perderam seus tronos tiveram de mudar radicalmente o vestuário e a aparência, a fim de não ficarem para trás daquela novata que, por algum encanto, tinha a capacidade de sempre combinar bem as roupas.

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De simples órgão público, responsável pela resolução de erros no pagamento dos servidores da saúde, o local parecia agora uma pequena extensão do Fashion Rio.


Maquiagens pesadas, sapatos brilhando, bolsas recém-compradas e até aqueles antigos quadros da festa de fim de ano na associação, espalhados pelos corredores, foram violentamente retirados. De uma hora para outra, perceberam como era cafona, brega e feio mostrar pessoas rindo perto de pratos de comida e cervejas que patrocinavam as mesas.


Jaqueline tinha altura mediana, usava cabelos cacheados levemente loiros, olhos verdes, lábios abusivos, herdava de Deus um corpo bem definido, com curvas agressivas, desenhadas para a perversão masculina e a inveja das outras de sexo igual.


Sabedora de suas qualidades e de suas vantagens, Elaine usava a arma mais infalível que existe para quem é bonito em demasia: passar a ideia de que não conhece a própria beleza. Para o ódio das outras e para a admiração dos homens, a estagiária era gentil, delicada e, pelos livros que trazia, era inteligente.


Foi lotada na recepção do órgão. Era o cartão de visita. Imponente em sua mesa, era a primeira figura que seria vista por todos que ali iam. Sempre gente inconformada com a quantia errada no contracheque.


Todo dia era isso, um monte de pobre, babando ira, respirando fogo, querendo matar todo mundo. Aquela frota de desafortunado, chorando migalhas, dava razão ao remoto ditado que diz: é melhor mexer no coração de uma pessoa do que tocar-lhe o bolso, diminuindo suas economias.


A Dona Mariquinha, que tinha saído dos serviços gerais para ocupar a recepção do departamento, fora, segundo o diretor, realocada para outras funções: voltar a preparar café e chá para as visitas em reuniões costumeiras.


Só não foi maior a raiva daquela senhora que pouco faltava para se aposentar, porque tinha gostado do termo. Em casa, tentando demonstrar importância, dizia para o marido que tinha sido “realocada”. O esposo, que mal desenhava o nome, imaginou que isso fosse algo como um diploma de presidente do Brasil ou um novo cargo surgido com o advento do computador.


Jaqueline trouxe tempos de paz para o órgão. Os mais furiosos, os mais bravos, os mais desequilibrados, se desmanchavam em doçura quando via aquela moça perguntando em que poderia ajudar. Sua voz tinha o mesmo efeito de um raio congelante paralisador de algum super-herói.


Quando o reclamante era mulher, tremia de medo ao ver mulher de tanta beleza e se comportava para parecer que, ao menos na postura, se assemelhava àquela recepcionista. Nada é capaz de deixar uma mulher mais insegura do que a segurança de uma outra.

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Todos queriam ajudar Jaqueline. Os “bons dias”, as saudações e os olhares eram mais doces para ela. Os que trabalhavam no “RH” trocaram a mesa e a cadeira da moça. O chefe da contabilidade deu-lhe um computador mais potente e, para mostrar gentileza, lhe presenteou com a senha que permitia o acesso livre pela internet.


Até os “sites” mais diversos poderiam ser pesquisados. Muito diferente dos demais funcionários que só poderiam abrir as páginas do governo ou outra qualquer, também entediante e chata. O máximo que pediu dela foi segredo. Como se proferisse uma sentença de juiz, o contabilista dizia que: essas coisas nunca tinha feito pra ninguém.


Outros servidores, seguindo essa política de bondade extrema e coração puro, ofereciam carona até o centro, bombons, chocolates e tudo o que aparecia por lá naquelas bacias de vendedores ambulantes. Tamanha foi a mudança, que se criou nos servidores um hábito de, periodicamente, pegar um ar lá fora, com um único pretexto de passar e cumprimentá-la.


Com os dias, Jaqueline tornou-se tão importante que, preocupados com a queda da lua,  ou alguma outra tragédia espacial, todos passaram a acreditar que era preciso saber o que ela achava disso ou daquilo e qualquer novidade, seria bom que ela fosse a primeira a ter conhecimento disto.


Nessa evolução, Jaqueline começou a receber convites para sair, recados de admiração e insinuações de que corações estavam dilacerados por não tê-la ao lado.  Tanto era a fama de Jack, como passou a ser chamada, que qualquer pretexto fazia da recepção um centro de conveniências e debates. Ninguém mais trabalhava lá.


O diretor do departamento, Seu Jeremias, teve de tomar algumas providências, a fim de solucionar o grande mal entendido que havia com seus dirigidos. Marcou uma reunião, chamou todo mundo, e por mais de duas horas tentou, de forma sutil, explicar quais os princípios que devem guiar o servidor público. Falou de moralidade, eficiência, compromisso, impessoalidade, respeito e outros norteadores que devem estar presente na administração.


Os servidores entenderam a mensagem. Sabiam que o diretor, pessoa equilibrada e que tinha sido o único que não mantinha contato tão prejudicial com Jaqueline, tinha justas razões para cobrar um pouco mais de posturas de seus subalternos.


Era homem reservado, pais de filhos, tinha uma mulher inteligente e realizada que ocupava a direção de outro órgão do Estado. As pessoas que ouviram os suaves sermões do chefe geral sentiram inveja do perfil de Seu Jeremias. Sentiram-se podres e, de certo modo, avarentas, fracassadas por não terem conquistado um nível de realização social dessa magnitude.


Por isso que viviam a infortunar Jaqueline. Eram pobres de espíritos, viam na recepcionista o que nunca tiveram em casa. Toda noite aquele desgosto e aquela ânsia de que o dia chegasse logo para voltar ao trabalho.  Não sentiam o prazer de um lar estruturado, feliz e marcado pela retidão.


Dias depois, Jaqueline, agora um pouco mais livre dos abutres, recebe ordens do chefe imediato, que recebeu ordens do diretor, para elaborar um logo relatório sobre os problemas, nos últimos seis meses, enfrentados pelos reclamantes. Dois dias era o prazo dado pelo chefe.


Inconformada com a ordem, mas sem demonstrar qualquer enfado, Jaqueline liga para o Diretor:


– Quem fala?


– Sou eu, Jajá. Pede para o meu chefe aumentar o prazo para elaborar o relatório. Tenho provas na faculdade toda essa semana. Preciso de mais dias.


– Vou falar para ele conceder um mês para você fazer isso.  Ainda estão te incomodando muito?


– Não amor. Entenderam o que você passou.


– Que bom. Não alimente essas idiotas com sua educação. Seja mais dura. Não quero ter problemas.


– Pode deixar minha paixão. Não irei contrariá-lo. Sei como foi difícil você me deixar trabalhar.


FRANCISCO RODRIGUES   –   f-r-p@bol.com.br


 


 


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