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A ressurreição de Cristo

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Na história ocidental moderna, pouca se fala do Império Otomano. Suas conquistas, sua força e seu poderio são remontados apenas por uns ralos estudiosos que pesquisam além do que o oficialismo histórico pode ofertar.


Muito foi perdido de suas conquistas. Tornaram-se páginas rasgadas de sua era, ventos que levaram a memória turca para sempre do imaginário popular. Talvez por medo, quem sabe. Talvez por vingança, não acredito. Talvez para que se apagasse o êxito e o sucesso de uma civilização que não tinha genuflexão ao Cristo ferido e morto, aceito.

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Pelos lados da débil Armênia, encrustada nas montanhas de Aicnagorra havia o reino de Erca, cujo centro de poder se localizava na orgulhosa e prepotente cidade de Avinasos.


Nascera pequena, sem expressão, tímida e acanhada. Tinha ruas estreitas e tortuosas, era um povoado mirrado e sem graça, flutuando entre a mesmice e o tédio. Não havia muitas novidades nele. De paisagens monocromáticas, era uma cidade que se esquecia do bom gosto e do belo. Alheias a isso, ou apesar disso, queria dominar a região. Pretendia ser além do que poderia ser.


Erca sabia dessas pretensões. Inconsciente nada disse e, quando os Turcos invadiram a cidade em 1331, prostrou-se descontente porque estrangeiros fizeram acampamento nos arredores dela. Contrariando todas as outras, aliou-se de forma espúria e contaminada ao poder otomano. Se rendeu à sedução da riqueza, não se conteve com os tesouros do oriente e, almejando glória e poder, lançou-se em amores com os turcos, esquecendo-se aos poucos do Cristo martirizado.


A perda de sua identidade a fez malquista por todas suas irmãs. Acite e Larom foram as mais esquecidas, as mais renegadas, as que mais se sentiram traídas, pois foram chamadas várias vezes, nos momentos iniciais de Avinasos, para ajudá-la, levantá-la e pô-la de fé, a fim de que um dia pudesse ser grande. É realmente a ingratidão um grande mal que só aos humanos pertence. Pobres humanos. Podres humanos. Práticos humanos.


Por longos anos Avinasos foi recompensada pela ajuda dada aos turcos. Rica, tornou-se singular em opressão. Sufocava a tudo e a todos. Era terminantemente proibido ser sangue que não corresse em suas veias. Era cruel em seu agir. Não tolerava que houvesse qualquer crítica a seu poder. Sentenciavam com a morte o tosco que ousasse enfrentar os braços fortes de sua conduta. O destino? Ficava em um lúgubre presídio, Arusnec, cujos portões, fortes e protegidos guardavam todos os que se rebelavam às ideias de Avinasos.


Passados os anos, quando os otomanos suavizaram a companhia e as atenções dadas à cidade, pois decidiram concentrar forças em outras regiões do leste da Ásia, bem mais ricas e atrativas, os habitantes de Erca iniciaram uma grande revolta popular. Sabiam da ausência dos gafanhotos turcomanos, a cólera de Deus na Terra, o braço forte do terrível vingador. Acreditaram e começaram a desenvolver a ideia de ação. Os dias daquela mentirosa praça, que era tida como inimiga nossa, estavam contados. Definitivamente contados.


Era meia noite! Os negócios da cidade tinham parados. Por ordem dos chefes dos palácios, todos deveriam jogar fora seus relógios, para não sentir a noção temporal, nem se sentirem cansados com o grande conflito que iria acontecer. Eram também donos dos tempos.


Graças à retirada dos turcos, Avinasos estava fragilizada. Em horas contadas com os dedos de uma só mão, marchava livremente pelos muros da parte leste um forte exército alinhado, reunindo povos de todos os recônditos de Erca, guerreiros ansiosos por destruir os alicerces da irmã traidora.


Amanhecia! Os primeiros pássaros abandonavam seus casulos, num saltitar frenético, num vai e vem dos galhos ao chão, seguiam as pistas de pequenas vidas que esqueceram que o dia tinha chegado. O preço do erro? Não ver a próxima noite.


Assim é a natureza para com os débeis e desatenciosos. Só os humanos constroem o discurso da solidariedade. Podem não exercê-lo, mais o tem nos livros de bolso e nos mantos que lhes protegem do frio.


Em partes mais afastadas, ouviam-se crianças que, aturdidas com o enorme barulho dos conflitos, o pisar das cavalarias retas e das lanças que grunhiam forte, chamavam as mães na linguagem mais eficaz e universal: o guaiar do seu inocente choro. Voltemos!


Após longos combates, os donos da cidade foram derrotados, espalhavam-se pelo pátio, rendidos à espera da ciência de seus destinos. Levados a um tribunal improvisado, os reis depostos buscaram se defender de tudo o que fizeram, dizendo que na vida o que realmente vale para quem está no poder é a intensidade. A dura e egoísta intensidade, não a essência. Justificaram que um sopro tem a mesma natureza de um forte vento, mas é incapaz de movimentar o menor dos barcos. As naus podem senti-lo, mas ficam absortas e amarguradas, por não poderem deixar o cais.


Sem definições, sem projetos para o depois da conquista, trôpegos e incoerentes, os vitoriosos se quedaram inertes, chocados com aquela resposta, indefesos frente um argumento tão forte.

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Ainda nas primeiras horas da manhã, os ex-donos de Avinasos estavam soltos, livres, discutindo com os conquistadores os melhores rumos a seguir. Perderam a guerra, mas não ensaiaram nenhuma lamúria.


Era Semana Santa. Tardavam com os preparativos. A procissão deveria voltar a acontecer. Improvisaram lenços, relembraram as ladainhas de lamentos para a situação e apressaram, reprovando os que não conseguiam acompanhar o ritmo. Não havia mais lugar para outras crenças. O Cristo ressuscitava mais uma vez.


Francisco Rodrigues – f-r-p@bol.com.br


 


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