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STF: Guardião da Constituição?

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Osmir Lima*


Como constituinte de 1988, e apenas nessa condição, faço alguns comentários sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal nos últimos tempos. Longe de mim desprezar o papel importante que ele exerce para preservar as conquistas advindas com a Constituição de 1988. Muito longe disso. Aliás, hoje, é o único poder que detém credibilidade perante a nação e conserva o mínimo de dignidade funcional e pessoal.

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Mas, não podemos deixar de observar um crescente protagonismo do Poder Judiciário na órbita das discussões públicas, outrora destinada, exclusivamente, aos Poderes Executivo e Legislativo, tendo em vista a gradativa erosão da separação entre Direito e Política como instâncias estanques do sistema social.


Ancorado na defesa da Constituição e dos Direito Fundamentais por ela proclamados o Supremo tem sido chamado a resolver conflitos que até então eram de monopólio da arena política, sempre a partir das deliberações e consensos realizadas no seio do Poder Legislativo e do Executivo, em ambos os casos por aqueles que receberam legitimidade do voto popular.
Importante destacar se de um lado a atuação do STF busca conter eventuais exageros e arbitrariedades perpetradas por maiorias políticas de ocasião, de outro lado, suas decisões, por vezes, desbordam do tradicional papel institucional de “legislador negativo”, consubstanciando-se em verdadeiras inovações jurídicas, muitas vezes à revelia do que dispõe a legislação infraconstitucional e quando não da própria Constituição!


Nesse sentido, cumpre destacar, em caráter ilustrativo e sem qualquer pretensão de esgotamento, alguns precedentes da Suprema Corte que, ao meu modesto juízo, e também de parcela daqueles que se interessam pela relação entre Política e Direito, teriam, digamos assim, avançado sobre as tradicionais atribuições do Poder Judiciário.


Recentemente, acompanhei, um tanto estarrecido, a mudança de entendimento da Corte acerca do alcance da presunção de inocência em matéria penal, tema caro não só à tradição constitucionalista mundial, mas especialmente a um país que assistiu por décadas, prostrado e impotente, as prisões arbitrárias promovidas durante a Ditadura Militar.


Não obstante, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria (7 votos a 4), no julgamento do HC 126.292, modificou sua própria jurisprudência, assentando ser possível a execução da pena depois de decisão condenatória confirmada em segunda instância, em flagrante contrariedade ao artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que prescreve: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Devemos relembrar que por tratar-se de direito fundamental, cláusula pétrea, portanto, a mencionada garantia não poderia ser alterada sequer por emenda constitucional, conforme a leitura do artigo 60, §4º, IV, da CF.


Não me resta, neste caso, senão acompanhar a inspirada constatação do Ministro Marco Aurélio após o referido julgado: “Tenho dúvidas, presidente (do STF), se mantido esse rumo quanto à leitura dessa carta pelo Supremo Tribunal Federal, ela poderá continuar a ser tida como uma carta cidadã”. Que o Doutor Ulysses nos perdoe por tamanha transgressão! Tenho minhas dúvidas se o Doutor Ulysses, meu amigo, os perdoará.


Na mesma linha, inegavelmente tortuosa, destaco a insegurança jurídica promovida pelo STF acerca da perda do mandato parlamentar, que como se sabe, a Constituição Federal, em seu artigo 15, veda a cassação de direitos políticos, admitindo, tão somente, que sejam eles perdidos ou suspensos em hipóteses taxativas, como a condenação criminal transitada em julgado.


Mas no caso de perda ou suspensão de mandato político, a Carta Constitucional preceitua que será declarada pela Mesa da Casa respectiva (art. 55, CF). Sempre condicionada à vontade soberana dos ungidos pelo voto popular.


Apesar da aparentemente óbvia distinção, o STF, em precedentes recentes, deu diferentes Resoluções à mesma situação jurídica. Na Ação Penal n. 470/MG, famoso caso “Mensalão”, outrora “maior caso de corrupção da história” e atualmente relegado à condição análoga de “crime de menor potencial ofensivo”, tendo em vista os desdobramentos do “Petrolão”, que pelo caminho que toma a operação “lava-jato” também em breve será considerado “crime de menor potencial ofensivo”, a Corte Suprema, por maioria de 5 votos a 4, num rompante de moralismo cívico, decretou a perda automática dos mandatos dos parlamentares condenados, furtando-se de qualquer subordinação à vontade do parlamento Brasileiro.


Porém, no ano seguinte, ao condenar um Senador da República na Ação Penal 565/RO, o mesmo STF, ainda que com formação distinta, entendeu pela submissão da decretação da perda do mandato parlamentar ao Senado, em clara deferência ao texto constitucional.

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Dessa forma, devemos nos questionar, estariam as atribuições conferidas aos parlamentares, no tocante à decisão atinente à perda do mandato de congressistas com condenação transitada em julgado, submetida ao talante dos Senhores Ministros ou à vontade, grafada expressamente, da Constituição? Temo que nesta senda os aplausos da platéia sejam mais altos que os clamores da Carta Constitucional.


Por fim, há de se destacar que o STF, ainda que com nobres intuitos, tem se imiscuído em questões que deveriam ser discutidas pelo Legislativo, sejam de cunho eleitoral, onde a intensidade da intervenção aumentou significativamente nos últimos anos, como a infidelidade partidária como causa de perda do mandato parlamentar e a vedação da contribuição de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais (ADI n. 4650); o afastamento e suspensão de mandato do Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha; sejam de cunho moral/comportamental, como o reconhecimento da união estável homoafetiva (ADPF n. 132) e a interrupção da gestação em casos de fetos anencéfalos (ADPF n. 54), entre outras.


Ainda que parcela das citadas decisões sejam louváveis, do ponto de vista de seus efeitos, estariam elas sendo deliberadas na devida sede? A tese do vácuo de poder ou a discordância entre parte dos formadores de opinião pública, autorizaria, por si só, tamanho protagonismo judicial?


Concluindo as breves observações até aqui feitas, cumpre rememorar que os Ministros do STF, nos termos do artigo 101 da CF, são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado(no sentido de dar um verniz de que “todo o poder emana do povo”) e escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada – critérios tão elásticos que conseguem abarcar de juristas proeminentes à ilustres desconhecidos, conforme os interesses da grei de ocasião.


Desse modo, permitindo-me ir mais além nas reflexões, será que o constituinte originário, no qual me incluo, formado por gerações que majoritariamente carregavam as marcas indeléveis de um Poder Executivo hipertrofiado e autoritário, uma vez ciente de tamanho protagonismo do STF, teria concentrado a escolha dos Ministros tão somente nas mãos do Presidente da República? Concordando-se ou não com o atual papel do Supremo, penso que são pontos a serem refletidos por toda a população.


*Osmir foi constituinte.


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