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O legado da alagação

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12517015_1140080969343880_922776909_oPresenteei meu filho de sete anos com um livro do historiador local, Marcos Vinicius Neves. Em um tom amigável e acessível para os pequenos, e com lindas ilustrações de Darci Seles, ele conta a história de Rio Branco, como passou de seringal a capital.


No ritual diário de lermos um livro antes de dormir, li para o Asaph que em 1908 fundaram a Vila Penápolis, à margem esquerda do Rio Acre para fugir das frequentes alagações. Eu já sabia disso, mas parei a leitura intrigada. Era diferente agora. Desde as aulas com a lendária professora Enir no colégio Meta em que – naquela mente adolescente com dificuldade em perceber ao redor os ecos da História – aquela informação foi armazenada sem muito julgamento e hoje, Procuradora do Município – vendo a pior alagação de que se tem notícia, senti o desânimo de vivermos o mesmo problema há tanto tempo.

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Como povos ribeirinhos que somos, essa é nossa origem e não podemos negá-la, estar perto das águas é fato indiscutível. Mas a nossa convivência precisa melhorar. E, vamos combinar, cada um fazendo sua parte.


Ao Poder Público sobram responsabilidades quanto à gestão dos recursos hidrícos, preservação de margens e ao Município de forma aguda por ter a competência de ordenamento territorial. Mas, digam aí, será que nos faltam apenas leis e fiscalização? Ou também é grande a lacuna de consciência e responsabilidade individual? Cito alguns exemplos.


É proverbial a quantidade de unidades habitacionais distribuídas “aos alagados”. Como se brotassem da terra, eles permanecem lá. E mais, proliferam exponencialmente numa perversa lógica de retorno às origens. Diferente daqueles históricos moradores da Rua Quinze, ou Seis de Agosto, como muitas outras, que ficam por terem ali suas raízes, histórias e laços familiares e de amizade dos quais não se desfazem por nada, nem por terra seca.


Em outras partes da cidade, inúmeras vezes a Prefeitura se indispõe com cidadãos que pleiteiam, ou mesmo já tem consolidada, a ocupação das margens de cursos d’agua (as quais no Direito são chamadas de Área de Preservação Permanente). Não há o que discutir no estrito cumprimento da lei, antiga, que se diga. A primeira versão do Código Florestal é de 1965, já existe APP há cinquenta anos!


E também não pense que é só “pobre e sem educação” que se insurge contra isso. Muita gente fina e elegante questiona o Município porque preservar “esgotos a céu aberto”. No Direito há uma expressão latina “Nemo auditur propriam turpitudinem allegans”, que significa “a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito”, e é isso que acontece repetidamente. Primeiro polui, depois diz que não tem mais igarapé, é esgoto. Então, vamos aterrar!


Parto agora para as “miudezas” dos que calçam o quintal inteiro para não ter que conviver com a “sujeira dentro de casa”; dos que jogam lixo nos bueiros, nos rios, em qualquer canto. E até daqueles que roubam flores dos nossos canteiros públicos pensando que é uma atitude marota, mas na verdade é ignorância pura.


As chuvas vêm aí, espero que este ano sejam misericordiosas. Que apenas lavem as consciências, as práticas e o discurso. Que meu filho possa ler para o meu neto uma mudança em nossa geração, que o nosso legado seja de responsabilidade social e ambiental por um futuro melhor.


*Raquel Eline da Silva Albuquerque é Procuradora do Município e Presidente da Associação do Procuradores do Município de Rio Branco

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