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Ratos que estão nos céus; eu não aceito esse teatro, mas admiro a boa vontade deles lá de cima

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Meu nome é Dongo! Bom, isso é o que eu aprendi de um nome maior que me deram, quer dizer, que eu ouvi, várias vezes quando ousei sair para ver a luz do sol. Triste ideia! Tentaram me matar. Jogaram pedras, paus e até umas coisas pequenas bem quentes que faziam um barulho assustador, deixando umas fumaças com um cheiro estranho.


Minha mãe, não conheci. Meu pai, ah, esse que nunca vi mesmo! Irmãos, tive uns montes, mas não recordo de nenhum mais. A vida de um rato não é fácil. Temos o azar de ser odiado pelos seres lá de cima. Ouvi uma vez que carrego doenças e males que prejudicam a saúde deles. Eles têm razão de nos odiarem. Afinal conviver com a destruição é um trauma mental, não uma arte.

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Bom, escrevo essas poucas linhas apenas para manifestar meus mais sinceros protestos. A natureza me foi cruel, e eu estou apenas a me cobrir de medo. Eu estou apenas a me privar da vida, para que a vida aconteça onde eu não posso acontecer.


Minha cidade natal, Rio Branco, atravessa uma enchente histórica. Meus amigos mais velhos me disseram que nunca houve uma igual. A catástrofes, ao contrário do que não se quer pensar, também atingiu toda nossa comunidade. Nessa marcha increpável da Terra, imagino, eu, que muitos dos nossos sucumbiram com as águas alevantadas.


O que mais me choca é que as multidões de movimentaram para ajudar-se uns aos outros e a uns a ninguém, ninguém de uns e uns de omissos e coniventes com o tudo que no nada se faz mais forte. Eu não aceito esse teatro, mas admiro a boa vontade deles lá de cima.


Barcos, alimentos, locais para desabrigados, oportunismo político, chantagens eleitoreiras, choros e comoção, tudo, ou quase tudo, só para eles. Nós, os ratos, nenhuma piedade. Fui testemunha de um remo que terminou de matar um vizinho meu que agonizava um terrível afogamento. Seu corpo descia lentamente o rio e ninguém deixou de seguir suas coisas. Quanto o mais, apena cuspes, num nojo só.


Ninguém noticiou que um rato ancião e um ratinho recém-nascido foram vítimas de uma estaca de uma casa que descolou-se e atingiu a toca deles, morreram de fome, ou afogados, eu acho. Não sei dizer não somos vistos.


Eu, quer dizer, nós, os ratos mereceremos mais, nós merecemos um pouco mais. Não sei pensar, refletir não é minha capacidade. Mas se vocês aí de cima sofrem nojo, repudiam minha espécie, por que não usam a mesma reflexão para saber que aí em cima tem um monte de gente que se aproveita do evento calamitoso para agir muito pior que nós.


Respeitem-nos, ao menos. Não batizem os ladrões de fios, moveis e outros utensílios dos alagados como “ratos d’água”. Não nos comparem a políticos que ganham com a desgraça alheia, não nos misture com os que ganham casa para sair do alagado, mas voltam depois de vendê-las. Não aumentamos os preços das coisas para o governo, se aproveitando que não serão licitadas. Somos ratos sim, mas não somos ratos.


Somos ratos sim, mas não somos ratos. O que mais me choca é que as multidões de movimentaram para ajudar-se uns aos outros e a uns a ninguém, ninguém de uns e uns de omissos e coniventes com o tudo que no nada se faz mais forte. Eu não aceito esse teatro, mas admiro a boa vontade deles lá de cima.


 


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